Ao longo de minha vida adquiri muitos livros que hoje compõem o que se poderia chamar de uma modesta biblioteca, senão no tamanho pelo menos na qualidade.
A arquitetura dessa magia se instala mais ou menos assim: um autor incógnito que oferece o seu texto a preço de banana me acenando das páginas do livro, insinuando justificar as inúmeras horas que passo à procura. Aqui a fascinação é a da garimpagem em busca do tesouro escondido. Os tantos livros que vim a adquirir, portanto, ficam por conta dessa virtual atração: “Como posso deixar de levar uma fortuna oferecida a um preço tão baixo? Isso é um crime que não posso cometer comigo mesmo!” E, assim, se amontoaram livros e mais livros a ponto de não haver lido nem metade do que gostaria.
Essa impossibilidade faz com que, vez por outra, eu tente privilegiar alguns, colocando-os na categoria dos próximos a ler, relevando os demais a uma leitura fortuita sabe-se lá quando. Eis que, mais por acaso do que por pertencer a alguma lista de preferência, deparei semana passada com o Livro Beleza e Tristeza de Yasunari Kawabata.
Ao averiguá-lo, foi como a reedição de um novo achado, pois não tive a menor lembrança de onde e quando o adquiri. Reli então a orelha e descobri a possível razão de tê-lo trazido. Primeiro, o título, de uma singeleza arrebatadora porque traduz uma verdade pouco lembrada: a de que é difícil haver beleza plena sem um toque de tristeza, ainda que mínima, ou vice-versa. Mas, além disso, a fascinação pela capa com uma gravura japonesa e a alegoria de um perscrutador mistério.
Yasunari Kawabata, seu autor, ganhou o prêmio Nobel em 1968 e suicidou-se em 1972. A história por ele narrada, comum, torna-se fascinante pela sua forma de condução da narrativa, sublimando as paixões intensas que descambam para um desenrolar trágico previsível , ao sobrepor um tom de contemplação estética que suaviza o quadro de opressiva tristeza , pela introdução, inclusive nos diálogos, do êxtase em face da beleza física ou artística, no caso, mais desejada que verdadeira .
Uma obra-prima, de leitura gratificante e, portanto imperdível , mas que , por isso mesmo, veio me rechear das duas sensações sugeridas pelo título do livro: de Beleza, pelas obras-primas de autores para mim desconhecidos e que guardo em minhas estantes; e de Tristeza por saber que, por mais que me dedique ao exercício de uma leitura intensa jamais conseguirei ler a todas.
José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas