OS BRUTOS TAMBÉM AMAM ?

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PINTURA DE HITLER

 

artigo publicado no jornal O estado do Maranhão

 

O poder desumaniza as pessoas?  Há alguns anos, cientistas começaram a estudar as formas como o poder  afeta o cérebro humano. Eles descobriram que o poder faz com que as pessoas se tornem mais impulsivas, menos conscientes dos riscos e menos capazes de ter empatia pelos outros. As consequências em termos de gravidade são equivalentes a danos cerebrais.

“O poder não modifica as pessoas, apenas mostra o que elas são”. Esta frase, sábia e conhecida, significa que existiria todo um potencial de vaidade, arrogância, empáfia e até mesmo crueldade inata ao ser humano, prestes a ser revelada desde que surjam condições efetivas para isso.

 

Essas reflexões vêm a propósito do que li recentemente em revista científica revelando que alguns ditadores, causadores de grandes atrocidades, foram também capazes de momentos de afeto e bondade, aparentemente inconcebíveis no imaginário construído a respeito de suas biografias. Por exemplo, Hitler não foi sempre o homem que ordenou a morte de milhões. Eduard Bloch, o médico da família do alemão, era judeu. Hitler ficou tão agradecido pelo cuidado que ele teve com sua mãe, que colocou a família do homem sob  proteção do governo em 1938 e acelerou sua emigração para os Estados Unidos.

Stálin também,  enviava regularmente limões a sua esposa. Fazendeiro,  plantou limão toda a sua vida. Seus filhos achavam que ele era “mais suave” que a mãe, e seus sentimentos por sua esposa não eram teatro político. Quando Nadya cometeu suicídio, Stalin ficou tão perturbado que teve que ser vigiado para não fazer o mesmo.

Igualmente, muitas dessas “feras” tinham pendores artísticos. Hitler foi um pintor obstinado embora mal sucedido. Recordo também que na juventude travei conhecimento com a poesia de Mao Tse Tung. Impactado pela descoberta, levei-a ao saudoso Erasmo Dias que, entusiasmado, avalizou como, de fato belos, os poemas do ditador chinês.

Muammar Gaddafi foi outro poeta e escritor  que escreveu uma coleção de contos. Outro ditador artista foi Saddam Hussein, com seu romance “Zabiba e o Rei”, uma trama romântica num contexto de aventura. Aliás, os guardas que vigiaram Saddam ficaram muito tristes com a sua morte, tal a empatia com ele estabelecida no convívio final. Tudo indica que estes homens “humanos, demasiadamente humanos” talvez não levassem a pecha de sanguinários  caso  não tivessem sido guindados ao poder.

Nestes dias de eleições e de caça ao poder, em que tantos se digladiam e o tom de ataques recíprocos atinge níveis de virulência elevados, nunca é demais lembrar que o poder não é um mal em si, o mal é se deixar seduzir pelo mesmo e tornar seu exercício, “desumano, demasiadamente desumano”. Isso acontece com os destruidores de esperanças tão logo assumem o poder, como, por exemplo, na Venezuela, o execrável Nicólas Maduro.

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas

 

 

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BELEZA E TRISTEZA

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Ao longo de minha vida adquiri muitos livros que hoje compõem o que se poderia chamar de uma modesta biblioteca,  senão no tamanho pelo menos na qualidade.

A arquitetura dessa magia se instala mais ou menos assim: um autor incógnito que oferece o seu texto a preço de banana me acenando das páginas do livro, insinuando justificar as inúmeras horas que passo à procura. Aqui a fascinação é a da garimpagem em busca do tesouro escondido. Os tantos livros que vim a adquirir, portanto,  ficam por conta dessa virtual atração: “Como posso deixar de levar uma fortuna oferecida a  um preço tão baixo? Isso é um crime que não posso cometer comigo mesmo!” E, assim, se amontoaram livros e mais livros a ponto de não haver lido nem metade do que gostaria.

Essa  impossibilidade faz com que, vez por outra, eu tente privilegiar alguns, colocando-os  na categoria dos próximos a ler, relevando os demais a uma leitura fortuita sabe-se lá quando. Eis que, mais por acaso do que por pertencer a alguma lista de preferência,  deparei  semana passada  com o Livro Beleza e Tristeza de Yasunari Kawabata.

 

 

 

Ao averiguá-lo, foi como a reedição de um novo achado, pois não tive a menor lembrança de onde e quando o adquiri. Reli então a orelha e descobri a possível razão de tê-lo trazido. Primeiro, o título, de uma singeleza arrebatadora porque traduz uma verdade pouco lembrada: a de que é difícil haver beleza plena sem um toque de tristeza, ainda que mínima, ou vice-versa. Mas, além disso, a fascinação pela capa com uma gravura japonesa e a alegoria de um perscrutador mistério.

Yasunari Kawabata, seu autor, ganhou o prêmio Nobel em 1968 e suicidou-se em 1972. A história por ele  narrada, comum, torna-se fascinante pela sua forma de condução da narrativa,  sublimando as paixões intensas que descambam para um desenrolar trágico previsível , ao sobrepor um tom de contemplação estética que suaviza o quadro de opressiva tristeza , pela introdução, inclusive nos diálogos, do êxtase em face da beleza  física ou artística, no caso,  mais desejada que verdadeira .

Uma obra-prima, de leitura gratificante e, portanto  imperdível , mas que , por isso mesmo,  veio me rechear das duas  sensações sugeridas pelo título do livro:   de Beleza, pelas obras-primas de autores para mim desconhecidos e que guardo em minhas estantes; e de Tristeza por saber que, por mais que me dedique ao exercício de uma leitura intensa  jamais conseguirei ler a todas.

José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de lendas

 

 

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