Estamos vivos ou não? Se você acha que vive, porque respira, é bom não confiar muito nisso. No Brasil carece de mais, muito mais:
Não basta pagar imposto de renda, ter cartões de credito de lojas e bancos, ser síndico de condomínio, ter documento de idoso e o escambau, ter multa de trânsito a três por quatro, ter feito exame de próstata, do coração e do pulmão, ter página no Instagram e facebook, ter diploma de advogado, juiz de futebol e de dono de Escola de Samba etc. etc. Se você não for ao banco para provar que ainda está vivo, será considerado morto e, sendo assim, estará na lista dos mortos vivos desse país. Mortos vivos? Praticamente. Para o Governo o ideal é que você seja um morto-vivo. Vivo para pagar as contas e morto para não ter direito.
Estava pensando nisso, quando vi a informação de que o presidente Michel Temer havia realizado a sua prova de vida e, como tal, estava pronto para receber um retroativo de três meses, equivalente a uns 90 mil reais. A primeira impressão que tive foi a de que o presidente da república estava querendo incentivar os aposentados desta Nação a fazerem o mesmo. Ora, todo mundo sabe que Michel Temer se mostrou especialista em se fazer de morto (no episódio da mala) mas nunca em se fazer de vivo , o que comprovaria essa impressão. Mas eis que me surgiu , como numa epifania de heurecas! a sugestiva revelação de que a Vida, no Brasil, tem várias graduações, segundo a vida que cada um leva. Mais ou menos assim:
VIVOS EM DOBRO.
Compõem essa classe o presidente da República e equivalentes (os que convivem com malas de dinheiro). Ao saírem de uma prova de vida com tanta grana mostram que pertencem a uma casta especial: aqueles que acabam comprovando não só que vivem, mas que vivem em dobro.
O curioso é que em relação a essa vidas, tão plenas que transbordam pelo ladrão ( sem trocadilhos), os cofres do Tesouro se esmeram em reconhecer-lhes os direitos que os outros não possuem. A matemática soa perfeita: para vidas em dobro, o dobro de ganhos.
APENAS VIVOS
Um grande contingente. Normalmente constituído por trabalhadores que dão duro a vida inteira e que se consideram vivos, mas que não deveriam ter tanta certeza disso . Gente que sobrevive sabe-se lá como, mas que parecem satisfeitos com o ato de subsistir. É uma população que parece aceitar, conscientemente, que suas vidas foram construídas para gente como Temer viver em dobro, mas que preferem (talvez sabiamente), jamais pensar nisso.
SEMI-MORTO (OU MAIS PARA MORTO)
A imensa maioria da população brasileira. Na realidade, quando estes vão fazer a Prova de Vida estão também testemunhando a sua condição de quase mortos. Não seria essa a intenção dos governantes? Parece que sim, porque esse grande contingente jamais poderia ser considerado vivo com a aposentadoria que o governo lhes concede – como se fosse uma esmola. Vai daí que a exigência dessa Prova de Semi-Morto obrigando cadeirantes, doentes e inválidos a se locomovem, sem que se tente evitar isso promovendo uma simples pesquisa nos sites da Internet, funciona como uma espécie de escárnio , ou um estímulo para que morram logo.
Que tal mudarem o nome de Prova de Vida para Prova de Morto-Vivo? Seria cômico se não fosse trágico.
José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis