CONVERSAS ENTRE NÚMEROS
artigo publicado no jornal O estado do Maranhão
O escritor Vítor Hugo um dia sentenciou: “As palavras são seres vivos”. Os números também, por que não? Também eles conversam, vivem, fazem reuniões:
1.Reunião de Números. Assunto: debater a convivência com as letras.
-Temos de permanecer unidos, senão as letras nos passam para trás. Como se não bastasse a simpatia dos estudantes, dando-lhes preferência, vivem invadindo nosso território: equações, matrizes etc.
-Não adianta ir contra a corrente. Melhor nos adaptarmos. Façamos como os números 40, 60, etc. que se juntaram às letras K e M nas placas de trânsito e nas barreiras eletrônicas. Pelo menos, passaram a ser mais respeitados.
2.Dois números confidenciam entre si.
– Gostaria de ser um pássaro.
– Ora, pra quê?
– Para poder viajar sem parar, a hora que quisesse.
– Por que não entra numa dízima periódica? Assim você nunca vai parar.
3.Implicante , o 4 levanta a voz para o 2 em meio a uma discussão.
– Cale-se de vez. Valho o dobro que você.
– Pode até ser. Mas nunca caí de quatro.
4.Um belo dia, queixa-se o Zero ao seu vizinho 1.
-Estou estressado, acho que vou procurar um analista. Por mais que eu faça vou ser sempre um Nada.
– Não pense que a minha sina seja melhor a sua. Multiplico-me, me divido e não saio de mim mesmo.
5.Disse um bilhão para outro bilhão.
-Briguei com minha mulher e saí de casa. Estou pensando em me esconder numa equação com centenas de incógnitas para jamais ser encontrado.
– Ora, seja moderno e entre, ao invés, na conta bancária de um político brasileiro. Eles te mandarão para o paraíso fiscal e você jamais será encontrado.
6.Disse um 16 para outro.
– O que fez para ficar assim tão jovem e menor, parecendo um 4? Fez dieta? Tomou chá de alguma erva ou raiz?
-Como adivinhou? Entrei numa raiz quadrada.
7.Um número se queixa com outro.
– Ando pensando em tirar férias. Nada de professores, nada de estudantes, nada de livros, nada de calculadoras.
-Vá para uma Tábua de Logaritmos. Os estudantes jamais o perturbarão e muito menos os professores.
8.Um 9 encontra outro em uma conferência e inicia o diálogo apontando para outro 9.
– Detesto esse cara, vive fazendo perguntas. Só dá fora!
-Tenha paciência com ele. Não é um 9 comum. É um noves fora.
9.Roda de amigos cheia de números 1. Um deles, meio perdido, se aproxima ao longe. Alguém comenta.
– Não vou com esse cara que vem chegando. É meio chato, meio calado, meio estranho e meio pequeno.
-Pare de ser preconceituoso, ele não pode ser de outro jeito. É um ½. Nasceu assim.
10.Duas paralelas, muito amigas, abraçam-se na praia avistando o horizonte.
-Olha lá, parece tão perto, mas está tão longe. Somente lá poderemos nos juntar um dia.
Um hippie que ia passando entra na conversa e aprende, com elas, que matematicamente duas paralelas só se juntarão no infinito.
– Posso ajuda-las? Sei de um lugar onde vocês podem se juntar bem antes.
– ??????
– Aqui mesmo, neste celular. Na música As Paralelas, de Belchior. É só baixar.
- Dois números 2, antigos companheiros, encontram-se diante da Basílica de São Pedro em Roma.
-Detesto aquele 2 do cartaz. Por que sempre tão convencido?
– Não é convencido, mas solene e sóbrio. Está vestido de algarismo romano porque não tem outro jeito. Esse 2 é o do papa João Paulo II.
José Ewerton Neto é autor de O entrevistador de Lendas