Quinta feira passada, na sede da AML, o cineasta e escritor, Joaquim Haickel palestrava sobre o tema Literatura/Cinema para estudantes do Curso de Letras do colégio Pitágoras, quando, após exibir uma preciosa lista de seus filmes preferidos , devolveu a pergunta à plateia. Boa parte desta se manifestou, até que fui instado pelo palestrante a me pronunciar.
A pergunta não foi difícil responder até porque já havia escrito , no passado, a respeito. Apenas, não me referi ao melhor filme, tecnicamente falando ( mesmo porque me faltam requisitos para tais), mas, sim, aos que mais me marcaram, em diferentes épocas de minha vida.
1.Na infância, Ben-Hur
Difícil descrever o deslumbramento propiciado por esse filme a uma criança do interior (morava em Guimarães) em visita de férias a São Luís. Recordo perfeitamente que, extasiado com o eu via na tela do cine Éden, levado pela minha tia Rosa Ewerton nem percebi que ela se incomodava com o a exibição longa do filme. Ela sugeriu que voltássemos outro dia, mas a criança teimosa e atrevidamente recusou-se, nesse que foi talvez o meu primeiro grito de independência, proporcionado pelo cinema. Pelo cinema, e claro, pela paciência afetuosa de minha saudosa tia.
O segundo capítulo da história foi adquirir um álbum de figurinhas do filme, cujos cromos reproduziam as cenas reverberadas para sempre pela crônica cinematográfica: a corrida de bigas, a guerra nas galés, etc.
2.Na adolescência, Doutor Jivago.
O Doutor Jivago, não foi só um filme monumental, como os filmes épicos vencedores de Oscars. Havia alguns ingredientes que o distinguiam. A belíssima música de fundo O Tema de Lara que conseguiu a proeza de ser tão executada depois nas rádios quanto as músicas dos Beatles. A fotografia do ambiente das planícies gélidas da União Soviética, como um personagem à parte, aderidos à beleza selvagem de Julie Christie (Lara), uniam poesia, romance e o drama intenso de uma época revolucionária. Lembro, em especial, da cena em que a plebeia Lara invade, pobremente vestida, um salão de festa da nobreza russa para matar um homem rico que a degradava e prostituía. Após cometer o crime, Lara percorreu o ambiente com uma dignidade intocável que aviltava a pretensa nobreza dos presentes. Jamais uns olhos verdes de tão intensa suavidade serviram de contraponto, tão bem no cinema, ao desespero de uma mulher com sua sexualidade ultrajada.
3.Na idade adulta, A primeira noite de Tranquilidade.
Desses filmes dos quais não se tem informações e só se entra no cinema porque a noite está tranquila até demais, ou melhor, entediante. Referências, apenas a do ator principal, Alain Delon que não era, necessariamente, a garantia de um grande atuação. Filme que se revelou, porém, marcante em quase tudo, até mesmo na atriz desconhecida de semblante tão expressivo como a frase que foi dita a respeito do personagem que interpretava “Muito presente, pouco passado, nenhum futuro”, que pareceu se aplicar depois à jovem atriz. Um filme denso, pungente, melancólico, sobre dramas típicos de um casal em dissolução, tendo como personagens principais um professor inteligente e poético e a juventude sem rumo. Segundo Rubens Edwald Filho, Alain Delon com sua soberba atuação, desfez definitivamente a impressão de ter sido apenas um rosto bonito.
Ah, sim, a primeira noite de tranquilidade era a morte.
José Ewerton Neto é autor de O oficio de matar suicidas