JUMENTO x CAVALO DE LATA

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artigo publicado  no jornal O estado do Maranhão

Como é triste a sina do pobre do jumento! Ao longo do tempo, para sobreviver,  acabou tendo que se acostumar ( que jeito!) ao chicote do carroceiro e aos seus  xingamentos . Vieram as inovações deste século  e a tudo isso ele aguentou, estoicamente e de longe, como é de seu feitio: internet, o forró eletrônico,  o aedes egyptus; o ecstasy, o sexo virtual, o VLT, o bullyng e a Baleia Azul . Nada disso abalou sua paciência. Até que apareceu o cavalo de lata.

Sim senhores: o cavalo de lata. Por obra e graça das autoridades do trânsito desta  cidade acaba de ser anunciado O CAVALO-DE-LATA, com o fim de debandar definitivamente o jumento das ruas e avenidas da cidade. Sob a alegação ser um equipamento capaz de melhorar o fluxo de veículos (na verdade, uma parafernália eletrônica a meio caminho entre uma carroça e um carro) a geringonça surge com a função de substituir, com vantagem, segundo os anunciantes, os serviços até agora  prestados pelo humilde jumento. O fato é que, mais uma vez, um  trabalhador brasileiro honesto fica ameaçado de perder o seu emprego e seus direitos. (Honestíssimo, diga-se de passagem, pois nunca se viu um jumento se corromper e exigir propina como fazem tantos por aí).

Por que a Reforma Trabalhista de Temer tinha que chegar também ao jumento? Solidários com essa classe tão sofrida, fomos entrevistar um deles. Comia tranquilamente o seu capim numa das praças da cidade. Por coincidência era justamente o presidente do sindicato.

 

 

-E então, senhor Jumento. Tem algo a dizer a respeito da novidade?

            – Uma grande injustiça. Como acreditar que um cavalo venha  nos substituir, ainda por cima, de lata? O que vai acontecer com nossos empregos? Até agora ninguém nos informou de nada.

            – As autoridades garantem que isso beneficiará a classe. Ao melhorar  o fluxo de veículos, ao mesmo tempo, evita que a classe dos burros seja maltratada.

            -Mentira!  O carroceiro nos chicoteia  mas nos arruma o que comer. Quem nos alimentará agora? Onde permaneceremos?

            -Seria uma espécie de aposentadoria.

            – E quem disse que queremos nos aposentar? Garantimos nossa sobrevivência até hoje com nosso trabalho, que nos impediu de sermos exterminados. Por acaso estariam pensando em nos hospedar  em hotéis de luxo com estrebarias com ar condicionado e capinzais a perder de vista?

            – Eles alegam que o exercício da profissão de vocês atrapalha o trânsito.

            -Outra  mentira deslavada. Se  querem trânsito rápido porque enchem as avenidas de barreiras eletrônicas e guardas justamente para que os carros circulem mais devagar? Por que a barreira eletrônica serve para retardar o trânsito e nós não? Haja incoerência e  preconceito.  

            -Que estão pensando em fazer para reagir, como forma de chamar a atenção. Alguma manifestação programada?

            -Não precisa. A nossa própria existência já é uma manifestação de luta, de coragem e patriotismo. Só queríamos era continuar com  nosso trabalho tão pouco valorizado.

            -Sr. Jumento, infelizmente,  o nosso tempo acabou.  O nosso propósito  é justamente chamar a atenção do povo e das autoridades para mais essa injustiça. Alguma coisa a mais?

            -Sim.

            -O quê?

            – Se nada puder impedir que o Cavalo de Lata venha, estamos  dispostos até a aceitar o convívio com eles. Mas que não inventem  jamais o Jumento de Lata. Aí seria demais!

 

 

José Ewerton Neto é autor de O ABC bem humorado de São Luis

 

 

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