“Bela, recatada e do lar”. Nenhuma frase ‘bombou’ na net nos últimos quinze dias mais do que essa. Bastou a revista Veja qualificar a eventual futura primeira dama da Nação, Marcela Temer, com essa expressão para que o tom calhorda e sub-reptício da frase fosse denunciado em postagens e fotos na mídia virtual. Poucas vezes o que há de mais abjeto por detrás do politicamente correto (P.C.) foi tão combatido e execrado.
O sentimento de todos diante do fato pode ser resumido através de uma equação simples.
“Bela, recatada e do lar” =/ ou Politicamente Correto =/ ou O que há de mais oportunista na intenção dos manipuladores.
Se é fácil entendemos a tentativa de manipulação na frase “Bela, recatada e do lar”, é justo que nos lembremos do que seria mesmo esse P.C, eis que muitos douram o uso da expressão para que não se alcance seu real sentido.
Encontramos no google que “Politicamente correto é atuar no processo político de forma a atender todas as demandas legais ligadas a esse processo, sendo ainda honesto, íntegro e socialmente responsável”. Ora, isso deveria ser sempre válido para cidadãos comuns e para políticos, mas sob o empuxo da corrupção desenfreada que reina em nosso país o que poderia ser P.C. no seu sentido original, quase sempre carrega uma intenção sorrateira por detrás. No caso de Marcela Temer parece claro que essa intenção sorrateira era a de promover uma onda de simpatia antecipada à futura primeira dama da Nação, para tornar menos espinhosos os caminhos do novo presidente. Enfim, para que o fato (politicamente incorreto) de o presidente da república ter casado com uma mulher trinta anos mais nova não redundasse, para ambos, em um prejuízo de simpatia.
É fácil confirmar que cada palavra dessa expressão tem a sua dose de P.C. à sua maneira.
Bela, ali colocada para provocar uma onda de simpatia que os naturalmente belos têm. Num país com vocação para o narcisismo sem causa é, também, uma forma de exorcizar a eterna sensação de que ainda somos um país de pobres e mal ajambrados.
Recatada, palavra posta ali para espantar o clichê definitivo da Marcela- aventureira, estigma que carregam todas as que se aproximam de velhos com mais do dobro de sua idade, como é o caso de Michel Temer.
Finalmente, o “do lar” retirado a fórceps do reino das palavras, expressão que, de tão antiquada, torna notório o recurso à desfaçatez e à hipocrisia.
Contra o politicamente correto do termo, ribombaram as reações, quase sempre simpáticas e brincalhonas de celebridades que não costumam se disponibilizarem para tal.
Fico pensando em como seria salutar se todos nos insurgíssemos, de vez em quando, contra tantas obrigações politicamente corretas que nos impõem por trás das verdadeiras intenções, que são as de se locupletarem com nosso dinheiro: Blitzes da lei seca, em horários incômodos e degradantes para o trabalhador, cuja única explicação por trás dessa forma de atuação é a de extorsão; a obrigatoriedade do voto; o falso patriotismo que acabou degenerando em um dos mais hipócritas costumes impostos a um cidadão: a obrigatoriedade da cantoria do hino nacional em qualquer joguinho de futebol etc.etc.
“O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” no dizer de Samuel Johnson. O “politicamente correto”, também, da forma com que é exercido hoje é, não apenas um refúgio para canalhas, mas uma fortaleza. Que o “Bela, recatada e do lar” não seja, por sua vez, o primeiro dos refúgios pretendidos pelos que pretendem se aboletar no palácio da Alvorada.
Autor de O ABC nem humorado de São Luís