Crônica de José Fernandes: “A um colega de infância”

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CARO José Benedito, escrevo-lhe esta carta no estilo antigo, como nos tempos passados, nossos tempos, pois a última vez que nos vimos você devia ter, como eu, uns 14 anos. Portanto, mais de meio século nos separam. É possível que, defrontando-nos, hoje não mais nos reconhecêssemos.

Não faz muito, estive em Curitiba onde, por informações de contemporâneos, soube que você mora há mais de 60 anos.

Tentei mas não consegui localizá-lo, nessa cidade bonita e moderna – cidade de lindos parques que empolgaram meus netos. Admirei esse eldorado pelo seu moderno sistema de transporte, bom nível cultural do povo e pela percebível segurança pública. Por coincidência, talvez, por lá não vi jovens sadios pedindo dinheiro nos semáforos nem pessoas de todas as idades, nas ruas, vigiando carros.

Falando de antigas lembranças, você deve se recordar que, quando crianças, na nossa pequena cidade, ninguém nos chamava pelo nome próprio e nos identificavam com os nomes dos nossos pais: você era Zé de Joca Prazeres, eu era Zé de Nestor, e assim por diante. Mais uma recordação: estudávamos no Grupo Escolar Arimatéia Cisne, na rua principal, e algumas ideias nossas já eram bastante maduras para o nosso tempo e nossa idade. Você, ou melhor, nós, éramos muito namoradores. Você namorou, para minha inveja e de outros, uma menina, verdadeira artista, que representava peças no palco paroquial, e eu namorava uma prima, para contrariedade dos pais dela e meus.

Sei que você, em São Luís, estudou na Escola Técnica Federal e depois se tornou professor do Colégio São Luís; foi para Curitiba, tornou-se engenheiro e também professor. Eu fiquei por aqui mesmo: fui operário, dono de gráfica, advogado, julgador de demandas, viajante pelo mundo, frequentador de praias, leitor constante e já escevi uns livrinhos, para afastar o ócio.

Informo-lhe que nossa cidadezinha natal, onde tomávamos banho no rio Mearim e trafegavam muitas lanchas e batelões, não é mais a mesma. Ninguém toma banho no rio e nele não mais trafegam lanchas e batelões. Lembre-se, quem ali tinha bicicleta era rico; hoje as ruas e avenidas são apinhadas de automóveis e motos – parece que não sabem mais andar a pés. Em certos dias e horas, é difícil deambular na avenida principal, que não existia no nosso tempo nem os bairros que tomaram o lugar das antigas torroadas. A cidade tem cursos universitários, bons colégios, estação de rádio, auditórios, bandas de música, memorial, academia de letras e instituto de história e geografia – um luxo. Uma boa notícia: não tem gente muito pobre – todos têm do que viver: a Previdência Social e a municipalidade, o rio, os lagos, os rebanhos e a terra fértil ajudam no suprimento daquela gente ativa. A melancia está minguando, mas a pororoca continua e tornou-se conhecida internacionalmente.

Por outro lado, São Luís, que nos acolheu, meu amigo, também está longe de ser a mesma daqueles anos sessenta quando nela você morava, estudava e dava os primeiros passos na vida profissional. Não têm mais os bondes – não sei você, mas neles eu gostava de driblar os motorneiros – nem os bailes de máscaras, pelo Carnaval; está dividida em duas: a cidade velha e a cidade nova. A parte urbana da cidade velha tem menos residências e mais casas de negócios. A Praia Grande foi transformada em Patrimônio Cultural da Humanidade; um trecho está aterrado e ocupado por uma avenida, que, por sua vez, é ligada por uma barragem a muitos bairros que surgiram e se ligam ao moderno porto do Itaqui, em que dezenas de navios levam minérios e sojas para todos os cantos do mundo.

A cidade nova está separada da cidade velha por três pontes; é constituída por imponentes prédios de condomínios, avenidas e bairros periféricos, que abrigam ricos, remediados, pobres e paupérrimos. Os bairros, tanto os da cidade nova quanto os da cidade velha, se unem e se confundem com os limites dos municípios de São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, também banhados por belas praias. São Luís, enfim, não é mais a pacata Ilha do Amor, embalada pelas serenatas; é a terra do Reggae, a Jamaica Brasileira – quem diria? Mas tem os seus encantos. Nela, se a gente tiver muito cuidado, ainda se pode viver. Você verá, quando aqui vier.

Não lhe dou outras notícias, meu caro conterrâneo, porque o resto você deve saber pela mídia falada, escrita e televisionada, e pelas redes sociais, outra novidade destas bandas, redes sociais que facilitam contatos e causam benefícios e malefícios.

Um abraço, caro José Benedito, saúde e longa vida para nós e para todos. Até outro dia, aqui ou mais além.

José Fernandes é membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, da Academia Ludovicense de Letras e autor, entre outros, do livro “A arte gráfica no Maranhão).

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