Crônica de José Fernandes: “O nosso Leblon”

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Na extensão final da rua do Ribeirão, de frente para o beco do Machado, localiza-se um sobradão histórico, hoje velho e abandonado, ainda ostentando no portal de entrada o n° 103, que já foi morada de um famoso romancista maranhense, sediou a Capitania dos Portos do Maranhão e teve outras serventias; tem fundo para a avenida Beira-Mar, antiga praia do Caju, num trecho que na nossa juventude chamávamos de Novo Leblon, antiga zona boêmia, noturna, que também servira de recanto de venda e degustação de melancia. Ali eu entrava pela noite, penetrando as madrugadas, algumas junto com outros notívagos, entre eles os irmãos Jorge e Zé Maria Nascimento, então poetas e farristas de boa têmpera (será por saudosismo, ou protesto, que Zé Maria, atualmente abstêmio, ainda mora ali bem perto?).

Dá pena ver aquele vetusto prédio desabitado, que por último, até os anos 70, foi a pensão de dona Santinha, cujos filhos Zé Alberto, Zequinha, Zé Augusto, Zé Eduardo e Zé Henrique (in memoriam) e às vezes Zé Reinaldo- atualmente austeros cidadãos -, eram meus companheiros de aventuras e boemias.

Tanto me afeiçoei com aquele local e aquela pensão que dela só saí casado com a filha da dona do estabelecimento, uma bonita e competente professora e assistente social com quem estou casado – e bem casado – há mais de meio século.

Naquela saudosa hospedaria, no meu tempo também moraram pessoas que se me tornaram amigas ao longo do tempo, alguns perdidos pelas intempéries da vida, como Lino, um professor cedo consumido pelo vício etílico, e outros que se tornaram notáveis em suas atividades, a exemplo de Abraão Cardoso, engenheiro e talentoso orador falecido precocemente antes de completar 30 anos; Airton Viegas, médico e dono do maior coqueiral do Maranhão; Enoc Vieira, deputado federal que se tornou pastor evangélico; Baltazar, que foi gerente de banco e secretário de Fazenda; Eidimar, memorialista, dono de grandes prédios históricos de Alcântara e diretor do seu museu, e outros que seria exagero enumerar, todos companheiros daqueles idos dos anos de 1960.

Entre tantas vantagens de morar ali naquele casarão, localizado ainda no centro de uma São Luís ainda pacata, era a de que, aos domingos, bastava atravessar a estreita avenida para tomar uma canoa, um barco ou pequena lancha que nos levariam à desabitada praia da Ponta da Areia, onde havia apenas uma pequena bodega, somente coberta de lona, em que eram vendidas bebidas e parcimoniosas iguarias de peixe frito e camarão com farinha. Mas os que não queriam, por economia ou esportividade, atravessar embarcados os 600 metros do braço de mar que separava o nosso Leblon da praia defronte, poderiam tomar banho ali mesmo, no cais pertinho, onde o próprio muro do cais servia de trampolim para os mergulhos na baía de São Marcos.

Faz-me bem recordar um pouco esse solar de mais de um século, que tão bem serviu a tanta gente e poderia continuar servindo-a se fosse preservado da ruina que o assola na solidão daquele recanto quase deserto, relíquia de uma época florida, quando ainda havia romantismo nas pensões de fraternas convivências, numa urbe ainda de ares provinciais, de costumes simples, hoje tomada pela expansão urbanística plantada no outro lado das pontes que a ligam ao continente.

Eu te saúdo, oh alegre casarão de outros tempos!

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José Fernandes é membro da Academia Ludovicense de Letras, autor, entre outros, do livro Crônicas de Outono.

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