Está sendo anunciado que serão reeditadas algumas obras de João Mohana, o sacerdote e escritor mais lido neste País durante a segunda metade do século findo. Essa boa notícia me leva à lembrança das circunstâncias que me fizeram conhecer pessoalmente esse formidável ser humano.
No ano de 1953 realizou-se em Arari a 1ª. Semana Rural do Maranhão, promovida pela Arquidiocese de São Luís, com a presença de autoridades da República, do governador do Maranhão, do arcebispo metropolitano e a participação de dezenas de técnicos especialistas de todos os recantos do Brasil, que excitaram cursos sobre mecanização da lavoura, racionalização da pecuária, criação de associações rurais, cooperativas agropecuárias e outros enfoques – acontecimento único até então realizado, visando o desenvolvimento social e econômico do interior maranhense.
Esse importante conclave teve como um dos principais coordenadores o pediatra João Mohana, então com 28 anos, que promoveu aulas, palestras e treinamentos de higiene e dietética infantil, preconizando a criação de Postos de Puericultura e Clubes de Mães, neste Estado. Estudante em férias, então com 14 anos, apresentei-me para ajudar, como voluntário, e o jovem médico, precisando de alguém para facilitar contatos, ordens, sugestões e trocas de informações, “nomeou-me” o estafeta da Semana, “cargo” que muito me empolgou, então com 14 anos.
Ali conheci e passei a admirar esse ser humano diferenciado, de quem, empolgado, li os primeiros livros: o premiado O outro caminho, Maria da Tempestade e Sofrer e Amar, e depois tomei conhecimento da sequência de mais 40 livros, de temática doutrinária e psicológica, alguns redigidos em francês, inglês e espanhol, publicados e divulgados, obviamente, em outras nações.
Seguindo irrevogável vocação, o médico, psicólogo e escritor tornou-se sacerdote, conferencista e orador sacro, cujas exortações, plenas de fé e sabedoria, faziam-se ouvir por uma assistência ávida, nas homilias, na igreja da Sé. Felizes dos que ouviram suas admiráveis alocuções.
Em boa hora virão as reedições das obras de João Mohana, o mais profícuo autor brasileiro sobre a temática matrimonial.
Ao referir-me a esse benemérito polígrafo, lembro, agora, de dois outros padres maranhenses que também se destacaram como literatos, os únicos, e, tais como João Mohana, foram eminentes tribunos, palestrantes, educadores, com a diferença, porém, de que ambos se imiscuíram na política partidária: os monsenhores Hélio Maranhão e Clodomir Brandt e Silva, este mais conhecido como Padre Brandt.
Monsenhor Hélio, licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e professor do Curso de Humanidades do Seminário Santo Antônio, escreveu livros como Uma carta de amor, Palavras de ontem e de hoje, Janelas do meu claustro, o Brilho das Estrelas e outros, que o levaram a, também, integrar a Academia Maranhense de Letras. Durante anos, ilustrou a imprensa timbira com sua lúcida colaboração.
Teve ampla atuação no campo ideológico da Igreja, como divulgador da Ação Católica entre a juventude e criador das Comunidades Eclesias de Base-CEB, entidade que, de certo modo, aproximou-se, doutrinariamente, da discutida Teoria da Libertação, divulgada por Leonardo Boff e, como este, realizou Encontros e Peregrinações no Brasil e no Exterior.
Durante o período em que esteve como pároco de Tutoia, concomitante ao seu trabalho no âmbito da assistência comunitária e da fundação de escolas na sede e na periferia da cidade, exerceu uma estressante militância política, intensificada por renhida polêmica na imprensa, entre ele e o seu opositor e desafeto, o também jornalista Merval Melo, redator de O Imparcial.
Monsenhor Hélio Nava Maranhão, nascido em Barra do Corda-MA, foi capelão-chefe do Serviço de Assistência Religiosa da Polícia Militar do Maranhão, no posto final de tenente-coronel. Muitas vezes estive na capela do quartel, no retorno do Calhau, ouvindo os seus sermões repletos de praticidade sobre a missão da Igreja perante a realidade social do povo brasileiro.
O outro clérigo-escritor, padre Brandt (monsenhor Clodomir Brandt e Silva), natural de Colinas-MA, escreveu livros sobre temas históricos, étnicos e romanescos, como Assuntos Ararienses, Escritos sem ordem, 26 opúsculos sobre a etnia das famílias de sua paróquia, uma peça teatral e os romances Folha miúda minha dor, Os caminhos de Silvânia, Arnaldo e Luzia dos olhos Verdes, todos com o viés de denúncia contra os mais vulneráveis.
Jornalista, redigiu centenas de artigos de conteúdo geral, publicados, semanalmente, no pequeno órgão por ele criado, Notícias, editado pela Escola de Artes Gráficas, também por ele fundada. Nesse periódico publiquei o meu primeiro texto, aos 14 anos, sob o título “Suicídio”, referente ao final trágico do então presidente Vargas, jornal existente nos arquivos do Memorial que lhe é dedicado.
O padre Brandt, excelente professor nosso, executou um grandioso trabalho assistencial, fundou escolas convencionais, profissionais e entidades culturais, mormente nos primeiros anos de seu apostolado. A continuidade desses empreendimentos foi prejudicada pelo seu ingresso na política partidária, atravancando, ainda, o seu trabalho missionário, que perdurou, mesmo com conflitos, por mais de meio século, sempre em Arari. Em razão de manter a sua atuação adstrita a esse município, teve limitado o seu campo de visibilidade literária, que bem poderia ampliar-se para um horizonte maior, conquanto competência e talento não lhe faltavam.
Biografei-o num livro volumoso – O universo do padre Brandt – em cujo final, saliento: “… na velhice, recolheu-se ao seu tabernáculo e no silêncio de suas meditações reencontrou-se consigo mesmo: redirecionou seus dias para a pesquisa histórica e para a literatura, tendo tempo suficiente para produzir uma obra de considerável mérito e honrar sua predestinação intelectual”.
Estes foram, numa apressada síntese, cabível numa crônica, os três sacerdotes que, no último século, pontificaram nos diversos gêneros da literatura, nas cátedras educativas, nos púlpitos e até nos difíceis meandros da política, nesta abençoada gleba tropical.