Crônica de José Fernandes: “A história ‘maravilhosa’ de um par de tênis”

0comentário

EM VIAGENS de recreio, gosto de olhar os produtos expostos nas vitrines das lojas de luxo, mas não compro nada. Só faço olhar. Mesmo sem procurar saber os preços, cismo que tais produtos me sairão muito caros. Já nas feiras livres, compro tudo o que necessito, e às vezes o que não necessito, sempre com a impressão de estar fazendo um bom negócio.

De passagem por uma feira, no Recife, olhei um par de tênis, achei-o bonito, vistoso e o experimentei; ajustou-se aos meus pés, o preço era bom – comprei-o, sem mais delongas.

De regresso, eu o calcei, para a minha caminhada habitual na avenida Litorânea, e logo nos primeiros passos o calçado começou a ranger, fazendo um som desagradável, facilmente percebível por quem passava perto. Discretamente, descalcei-o e fui andar na praia, descalço.

Dias depois, procurei uma sapataria artesanal, daquelas que o sapateiro fabrica o calçado de conformidade com o gosto do freguês. Encontrei-a, depois de muita busca, pois as sapatarias artesanais em São Luís hoje são raras, diferente do que ocorria antigamente quando tais casas proliferavam pela cidade – hoje os calçados são fabricados em outros centros.

Deixei o par de tênis com o dono do negócio, que não mostrou satisfação diante da insignificância do serviço, mas prometeu fazer o possível para debelar o meu desconforto.

Dias depois, ao recebê-lo de volta, o profissional informou-me tê-lo esticado, demoradamente, numa fôrma, achando ele que essa providência o tornaria normal. Não o experimentei – meu carro ficara mal estacionado e não quis demorar. Só dias depois pude fazê-lo, ao sair para a orla marítima. Confiante, iniciei normalmente a minha caminhada, satisfeito com o trabalho do artesão; aí, nova surpresa: não demorou, o tênis recomeçou a ranger, desta vez mais alto, causando-me incômodo e acanhamento diante dos passantes. Chateado, voltei ao carro, descalcei-me e, novamente, fui caminhar na areia da praia, disposto a não mais usá-lo.

Passados uns dois meses, contei o ocorrido a alguém de minha intimidade e este me convenceu a levar o calçado a um amigo seu, dono de uma pequena remontaria, dizendo ser um profissional competente no ramo, capaz de solucionar o impasse com presteza e eficiência. Atendi a recomendação, contratei o ajuste, e logo no dia seguinte recebi-o de volta, devidamente acomodado numa caixa, como se fosse novo.

Para não aborrecer o caro leitor ou leitora, vou encerrar esta historinha, que já se prolonga: dias depois, quando me dispus a abrir a caixa contendo o dito cujo, fui novamente surpreendido, desta vez por ele exalar um cheiro desagradável. Mesmo assim, calcei-o e, mais uma vez, ouvi e os de minha casa ouviram, rindo de mim, o mesmo rangido das outras vezes, além de continuar a expelir o cheiro nada agradável, agora identificado: sebo de carneiro.

O abjeto tênis, bonito, rangente e malcheiroso, comprado por um preço “razoável” na feira movimentada daquela rua de Recife, foi doado por mim, com a devida explicação, e aceito, embora com uma certa desconfiança, por um rapaz limpador de para-brisas que faz ponto no retorno da avenida Castelo Branco, no bairro de São Francisco, encerrando, assim, essa “linda e empolgante” história de um par de tênis rangedor, restando, apenas, como moral da história, lembrar o velho adágio popular que diz: o barato sai caro.

Sem comentário para "Crônica de José Fernandes: “A história ‘maravilhosa’ de um par de tênis”"


deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS