NÃO GOSTEI do sorriso, que me pareceu irônico e debochado, do jovem padre que casava minha cunhada com o seu noivo já meio maduro, na igreja de São José de Ribamar, em anos idos. Cheguei a pensar – vejam até aonde foi a minha imaginação – que a ironia do sacerdote devia-se ao fato dos nubentes serem ambos quarentões um tanto desajeitados. Fiquei chateado, alimentando insatisfação para com o celebrante, que me era desconhecido e com quem fiquei ressentido. Guardei a sua feição. Naquele tempo, eu me melindrava com qualquer banalidade.
Anos depois, numa reunião comunitária, no bairro de Fátima, então recanto com fama de violento e frequentado por um grupelho de jovens desajustados, deparei-me com o mesmo padre que me deixara tão má impressão.
Seu sorriso, ou meio sorriso, ainda era o mesmo, mas o seu desempenho naquela reunião mostrava-se relevante: apresentava sugestões inteligentes e sensatas, bem acolhidas pelos demais participantes, inclusive pelas assistentes sociais ali presentes, numa reunião de voluntários prestadores de serviços a uma comunidade carente.
Encerrada, com êxito, a reunião, acerquei-me de um líder comunitário para obter maiores informações sobre o sacerdote e fui informado tratar-se do vigário da paróquia daquele bairro, conhecido pelo cognome de padre João de Fátima, querido por todos, pelo seu imenso trabalho missionário junto aos necessitados, pessoa humilde, tão humilde e desprendida que costumava dormir nos bancos da igreja, em companhia de jovens transgressores que ali se refugiavam, tentando recuperá-los mediante essa aproximação.
Ocorre que, naqueles dias, eu, maçom, estava procurando um padre sem preconceito que se dispusesse a celebrar uma missa em regozijo ao aniversário de nossa Ordem. Já ciente do espírito de bondade, discernimento e fé cristã daquele sacerdote, fui até ele e imediatamente o convidei para presidir aquela celebração.
O pároco João de Fátima aceitou imediatamente o encargo e, em dia e hora certa, celebrou a missa congratulatória, no Palácio Maçônico do GOAM, na rua 6, no bairro de São Francisco, dando ao ato religioso um caráter ecumênico, pois na assistência havia maçons de várias crenças religiosas. Vale registrar que semelhantes eventos, com igual propósito, se repetiram por alguns anos, sempre celebrados por esse bom religioso, que demonstrava real solidariedade, sem nenhuma precação pelo fato de a Maçonaria, no passado, já haver sido amaldiçoada pelo Vaticano, penalidade revista e anulada por um papa ajustado à modernidade.
Esses e outros tantos atos de grandeza me fizeram admirador daquele sacerdote, que viera de tão longe para, entre nós, plantar sementes de paz e de amor ao próximo.
E, não faz muito, com satisfação recebi o livro O sonho de João de Fátima no Maranhão, editado por duas ilustradas amigas, acadêmicas Telma Bonifácio dos Santos Reinaldo e Eulália das Neves Ferreira, contando parte da saga do aludido clérigo, sua notável ação social junto aos mais necessitados, principalmente ao adquirir e revitalizar o antigo sítio Piranhenga, no qual, com a ajuda financeira de seus conterrâneos franceses, instalou e mantém o Centro Educacional e Profissionalizante do Maranhão, com várias oficinas de aulas de capacitação de jovens e adultos, moradores do entorno, para o mercado de trabalho.
E fiquei sabendo que o nome de batismo de João de Fátima é Jean Marie Maurice Lecornu, nascido na França em 1932, que, como padre, chegara ao Maranhão em 1970, com 38 anos, e passou a desenvolver, até hoje, uma obra de civilização cristã, inclusive junto ao grupo missionário “Shalom”, que está presente em 20 países do mundo, e em São Luís tem sede na vila Palmeira, onde celebra missa todos os dias e humildemente reside.
Este é o clérigo que este escriba menosprezou, por mais um dos seus lamentáveis equívocos, confundindo o seu permanente sorriso de bondade com uma ironia vulgar, naquele casamento de outrora, na paróquia de São José de Ribamar.