BEM CEDO, antes das seis da manhã, ao descer do meu apartamento para a academia de ginástica do nosso condomínio, eu me encontrava, sempre, com um único cidadão, ainda moço, para os exercícios na esteira, na bicicleta ergométrica ou nos aparelhos de musculação, que nós, cuidadosos, tínhamos a preocupação de higienizar, antes e depois de usá-los. Ele costumava demorar muito nesses exercícios, em torno de uma hora, no mínimo. Atleta experiente, seus movimentos ginásticos eram rápidos e precisos.
Os nossos encontros coincidiam ser no mesmo horário, apenas coincidiam. Devia ser ele uma pessoa muito ocupada, que ia cedo à ginástica, talvez para não atrasar suas atividades profissionais, ao contrário de mim, idoso e disponível, que escolhia o amanhecer apenas pelo costume de acordar cedo.
Nunca perguntei o nome desse meu constante colega de academia condominial nem ele o meu; éramos demasiadamente discretos; não sabia sua atividade profissional e penso que o mesmo ocorria com ele, isto é, que nada sabia de mim; apenas que morávamos no mesmo prédio, mantendo momentâneo e amistoso convívio. Desde o primeiro dia de nossa ginástica ele me cumprimentava chamando-me de “meu amigo” e por isso mesmo considerava-o amigo, posto que a nossa rápida interação era cordial, franca e fraterna. Tinha-o, pois, como pessoa correta e de boa conduta comportamental.
Uma vez por outra conversávamos, ligeiramente, sobre o que ocorria por aqui e pelo mundo, emitindo nossas opiniões com respeito, sem polêmica, isto nos poucos instantes que antecediam nossa atividade esportiva; logo depois nos mantínhamos em silêncio, para não atrapalhar as nossas inflexões ou reflexões; éramos os únicos que, naquele ambiente, não ligávamos o aparelho de televisão. Fazíamos isso sem nenhum acordo prévio, como se houvesse um regulamento de silêncio pré-estabelecido. Somente numa ocasião, por acaso, falamos algo sobre nós, tão-somente que tínhamos terras no interior do estado, ele com fazenda de gado e eu revelando minha frustração nessa atividade.
Durante uns seis meses, um único dia útil ele não compareceu à ginástica, e, para o meu espanto, e consternação, soube que, nessa manhã em que estivera ausente, havia sido vítima fatal de um acidente de trânsito: fora alcançado por um ônibus quando, de pés, seguia com pessoas da família, em romaria à cidade de São José de Ribamar.
Pelo noticiário dos jornais e por informações de alguns moradores, tomei conhecimento da triste notícia – fiquei sabendo que o meu colega de academia, precocemente falecido, era o eficiente médico urologista Luís Carlos Cantanhede que partira de maneira tão abrupta desta vivência temporal, deixando-me com o sentido pesar pela ausência do cordial companheiro dos primeiros momentos de cada manhã.
José Fernandes é membro do IHGM, da Academia Ludovicense de Letras e autor, entre outros, do livro “O rio”.