Crônica de José Fernandes: “DIAS FELIZES”
SUBITAMENTE, nos dias mais próximos do fim de cada ano, a nossa sensibilidade se aguça, novas percepções afáveis se externam, como se os sentimentos mais nobres emergissem, por milagre, do nosso ser, transmudando-nos em pessoas mais caridosas.
Esse tardio despertar, comumente ocorrido nesse ciclo anual, não é de todo mal. É melhor do que se estivéssemos indiferentes às boas intenções que esses dias nos inspiram.
Mas o bom mesmo seria que fôssemos permanentemente impelidos à fraternidade e à benevolência; que passássemos a ser fraternos todos os dias; que a tolerância tomasse conta de nós induzindo-nos ao bem-querer, ao levantamento crítico do nosso relacionamento com os nossos companheiros e companheiras de jornadas, moços e velhos, pobres, ricos, doentes e sadios, indiscriminadamente, e para com estes mantivéssemos permanente atitude de benevolência.
É certo que de vez em quando somos atingidos pelos maus ventos das tormentas pessoais, advindas de conjunturas desfavoráveis – prejuízos materiais, carências afetivas, desajustes e intranquilidades que às vezes nos levam à ansiedade e à depressão.
Mesmo assim, é possível dispormos de um pouco de força moral e de otimismo; podemos recorrer às pessoas amigas, próximas e disponíveis, que às vezes ignoramos, mas que nos poderão ser úteis; apelar ao poder incomensurável da prece, ao colóquio com a espiritualidade – forças superiores do universo que não falham nunca – na convicção de que tudo passa, que cada dia tem um novo alvorecer passível de nos conduzir à paz interior, de superar empecilhos e nos conduzir a novos caminhos.
Esses momentos devem ser aproveitados para a reanálise do nosso dia a dia, para levantamentos críticos do nosso proceder, rememorando pensamentos, palavras e atos, perguntando a nós mesmos se temos ou não contribuído para minorar os sofrimentos dos outros; se exaurimos as oportunidades de praticar o bem ou se ficamos envoltos no nosso egocentrismo.
Esse retrospecto constante enriquece a nossa experiência, dá ensejo a repensarmos a nossa vida, de mudá-la, se for o caso, tornando mais saudável o nosso convívio com os outros, excogitando os ideais transcendentes, que diminuem as aflições e o clamor da hora presente, acalentam sonhos e culminam em boas expectativas para um futuro melhor.
Perscrutando sob essa órbita, passamos a olhar o mundo como sendo um mundo novo, onde está começando a florescer e a frutificar o ideal que existe camuflado dentro do âmago da nossa unidade mística, afetiva e cultural.
A vida material flui e flui rápida e até impiedosa, já o dissemos uma vez. É necessário, é urgente que nesse fluxo cronológico que transforma as épocas, nós também nos transformemos, adaptando-nos aos avanços dos saberes que dignificam a vida.
É preciso fazer silêncio onde o pensamento e a palavra não possam construir com proveito; sorrir, se possível, até na dor; perdoar incondicionalmente; ser fiel ao dever; valorizar o tempo espalhando a felicidade, a paz e o amor pelos caminhos; usar o diálogo como meio de apaziguar o mundo, qualquer que seja o tamanho desse mundo – a nossa casa, o pequeno lugar em que vivemos, o país ou a amplidão do nosso orbe.
Após estas reflexões, auspiciemos uma existência plena de luz, para que, não só no fim do ano, todos os dias sejam dias de alegria, de paz e felicidade.
José Fernandes é membro da Academia Ludovicense de Letras e, autor, entre outros, do livro “Veredas Eternas”.