São Luís – O trabalho de uma das mais enérgicas e engajadas militantes da causa LGBTQIA+ no Maranhão foi reconhecido pela cúpula do Tribunal de Justiça do Maranhão. Na última sexta-feira, em solenidade realizada no Salão Ecumênico do Fórum Desembargador Sarney Costa, no bairro Calhau, a psicóloga Raíssa Martins Mendonça recebeu do Comitê da Diversidade do TJMA o Prêmio Luiz Alves Ferreira (Luizão), de promoção à diversidade e combate à discriminação, por sua iniciativa de criar o Instituto Raíssa Mendonça e a Casa FloreSer Maranhão, instalada no bairro Fé em Deus com foco na inclusão de pessoas transexuais excluídas do convívio familiar ou que estão enfrentando problemas devido à sua condição sexual.
A maranhense recebeu o prêmio das mãos do desembargador Paulo Vélten, corregedor-geral da Justiça. A solenidade foi conduzida pelo presidente do TJMA, desembargador Lourival Serejo, com a presença do coordenador do Comitê de Diversidade, juiz Marco Adriano Ramos da Fonseca, da coordenadora adjunta do Comitê, juíza Elaile Carvalho, e da servidora Luciana Brandão, filha de Luizão e membro do Comitê de Diversidade, entre outros.
Emocionada, a psicóloga afirmou que o Prêmio Luzião concedido pelo Poder Judiciário do Maranhão representa, acima de tudo, uma desconstrução de paradigmas. “Significa que quando acreditamos em alguma coisa, precisamos fazer a nossa parte, sem esperar por terceiros. Além disso, nos incita a refletir positivamente sobre o fato de que, quando damos a partida para algum projeto, há sempre quem nos acompanhe e abrace a nossa ideia, principalmente quando essa ideia é pautada em um propósito sério e digno”, declarou.
Raíssa Mendonça frisou que ouvir das autoridades do Poder Judiciário que elas apoiam o modelo de amar e resgatar criado pelo Instituto Raíssa Mendonça é extremamente gratificante. “É, sem dúvida, uma prova de que nós seremos ouvidos. E uma grande vitória dos excluídos”.
Combate à discriminação
O Comitê da Diversidade do TJMA, implantado na gestão do presidente Lourival Serejo, tem um papel essencial diante de uma sociedade conservadora, buscando combater discriminações e objetivando garantir um país mais justo e menos desigual, assim como fez Luizão. Segundo o presidente, sua institucionalização objetiva ser um porto seguro a todas as pessoas que sofrem discriminação ou intolerância, ou seja, exatamente o que está sendo feito na Casa FloreSer, que ampara, também, pessoas oriundas do sistema prisional maranhense. O espaço foi inaugurado no dia 27 de fevereiro deste ano.
“Quero que esse comitê não se esvaia só em palavras, mas em ações efetivas. Não é mais tempo de ficar fazendo protestos oratórios contra a intolerância, em todos os sentidos. É tempo de agir. E Luizão, meu grande amigo, fazia isso. Era um voluntário sacerdote dessa causa. Apesar de ser médico patologista, focou nas patologias sociais, e esse tipo de discriminação é uma patologia terrível. Logo, precisamos nos unir para combatê-la”, destacou o presidente.
O desembargador Paulo Vélten, que entregou o prêmio à Raíssa Mendonça, refletiu sobre saber conviver de forma harmoniosa com a diversidade e a divergência de pensamentos, bem como a respeito da empatia. “Só se corrige o problema da intolerância, segundo estudos de neurociência, quando aprendemos a conviver. Quando se cria um espaço de diálogo, que permite não só a fala, mas, sobretudo, a escuta. E escutar é diferente de ouvir. Ouvir com a vontade de escutar e procurar compreender a posição do outro. A criação desse prêmio cristaliza todo o trabalho desenvolvido pelo Comitê. Além disso, demarca o compromisso do Poder Judiciário com essa causa”, observou.
Casa de apoio
Raíssa agradeceu pelo prêmio com palavras firmes e verdadeiras, enfatizando o momento histórico em sua trajetória pela causa LGBTQIA+ e destacando a luta diária que abraça em nome da entidade e da casa, onde conta com a ajuda de uma equipe que não mede esforços para acolher aqueles que lá chegam em busca de ajuda. São pessoas inclusas nas estatísticas dos 10% da população brasileira pertencente à comunidade LGBTQ+, com expectativa de vida de 35 anos, sendo o grupo mais afetado pela violência relacionada à identidade de gênero e orientação sexual.
Em seu discurso de agradecimento, ela revelou que, até o momento, o projeto não firmou nenhuma parceria com órgãos públicos nem com a iniciativa privada. “Nós somos a única casa de apoio a essas pessoas e para desenvolvermos as ações que planejamos, que incluem, inclusive, oferta de cursos profissionalizantes, precisamos de parceiros. Nós estamos fazendo o dever do Estado, pois precisávamos agir”, frisou, informando que o espaço tem capacidade para atender até 50 pessoas por períodos e que, atualmente, acolhe 16.
Origem humilde
Raíssa Martins Mendonça é de origem humilde e sentiu na pele a discriminação que permeia as histórias contadas por quem procura a Casa FloreSer. Lá, os acolhidos recebem alimentação completa em diferentes turnos, higiene pessoal, atendimento socioeducativo e psicológico e encaminhamento à rede sócio-assistencial. Os conviventes ainda participam de oficinas, debates, palestras internas e externas, festas e de outras atividades.
“Sei e senti na pele as dificuldades por que passa a população LGBTQIA+. E sei que uma minoria consegue uma formação profissional a nível superior como eu consegui, com muito esforço e persistência. Mas, acima de tudo, sei que o apoio da sociedade é fundamental, bem como o direcionamento aos caminhos dignos, que é o que fazemos dentro do nosso projeto. É uma luta incessante e necessária”, ressaltou Raíssa Mendonça.
A psicóloga é natural de Pedro do Rosário (MA) e deixou sua terra natal ainda adolescente, migrando para a capital com a ajuda de uma tia. Em São Luís, trabalhou como catadora de frutas descartadas, pregoeira, empregada doméstica, cabeleireira e militante política na sede de um partido, até tornar-se governanta do vereador e líder religioso Astro de Ogum, decano da Câmara Municipal de São Luís. Sua história é contada no livro biográfico “O Outro Lado da Maçã”, disponível na Livraria Amei do São Luís Shopping.
Prêmio
O Prêmio de Promoção à Diversidade e Combate à Discriminação recebe o nome de Luiz Alves Ferreira, o Luizão (in memoriam), médico maranhense conhecido como “Dr. Quilombola”, que muito lutou pelo direito à saúde e outros direitos das comunidades tradicionais no Maranhão.
Luizão nasceu no quilombo Saco da Almas, hoje Vila das Almas, pertencente ao município de Brejo-MA. Formou-se em medicina pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), com mestrado em patologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-SP. Foi secretário regional da SBPC em duas oportunidades, membro fundador do Centro de Cultura Negra (CCN) e da Academia Maranhense de Ciência.