O médico e a aldeia são palavras aqui usadas em sentido figurado, como expressão simbólica, espécie de licença poética. Na verdade, o médico não é médico, é um enfermeiro, epicentro da narrativa. A aldeia não é uma aldeia, é uma pacata cidade interiorana.
Mas para contar a história do médico que não é médico, mas enfermeiro, conto primeiro que seus pais eram sírio-libaneses, chegaram ao Brasil ainda na década de 1920 do século passado; estabeleceram-se na vila de Arari e se dedicaram ao comércio como outros tantos compatrícios que ali se fixaram e progrediram nos negócios de compra e venda de mercadorias secas e molhadas.
O casal gerou os filhos Antônio de Jesus Santos, o caçula (nosso principal personagem), Júlia, Adélia, Mariana, Abdomacir, Nacira e Amélia.
O patriarca da família mandou os filhos varões para estudar na capital do estado. O Abdomacir, ainda estudante e já bem instruído, integrou-se ao movimento integralista liderado por grandes intelectuais brasileiros que em 1938 tentaram derrubar o presidente Getúlio Vargas e este, como reação, mandou prender, no país, mais de 1000 daqueles ultranacionalistas, inclusive mais de vinte maranhenses que, jogados num navio, ficaram prisioneiros na Ilha das Cobras. Entre estes, estava o estudante Abdomacir Santos, recatado e com boa bagagem cultural, segundo me revelou um de seus companheiros de prisão, o jornalista Nonato Gonçalves, depois meu primeiro patrão, amigo e colega do ramo gráfico.
Voltando do cárcere getuliano, Abdomacir voltou a Arari para ajudar o pai no seu próspero comércio. O jovem integralista passou a ter uma vida pacata vivência interiorana. Casou-se com Maria Madalena e com ela começaram a procriar os filhos Leão Neto e Abdelaziz, Manira, Telma, Salima e Abmalena, todos ainda crianças.
Tudo ia bem, até que o velho Leão adoeceu e faleceu. Não demorou muito, após a morte do chefe do clã, o filho Abdomacir, alma afetiva e extremamente sentimental, não suportando a vida sem o pai, acompanhou-o aos caminhos da eternidade.
Antônio de Jesus, o outro filho, deixou o já avançado curso de farmácia, que frequentava com proveito, e regressou à terra berço para dirigir os negócios do pai e tornar-se preceptor da prole do irmão. Em lugar da grande mercearia, fundou uma farmácia, casou-se com a professora Socorro Santos e passou a dar assistência à população da cidade sem médico.
Competente e atencioso, Antônio de Jesus, conhecido como Tonico Santos, foi um misto de farmacêutico e médico que passou a atender os doentes da cidade e das adjacências – Vitória do Mearim, Miranda e Lago Açu – durante mais de 40 anos, realizando, inclusive, pequenas cirurgias.
Além dos sobrinhos e sobrinhas que lhe cabiam cuidar, constituiu a sua própria família, criou e manteve seus próprios filhos e filhas – Virgínia, Abdomacir Filho, José Reinaldo, Hilda, Lúcia e José de Ribamar (Zeca Baleiro).
Simultaneamente ao seu trabalho na área da saúde, Tonico dava aulas de História no Ginásio Arariense, ajudava nas obras da Associação da Doutrina Cristã e elegeu-se vice-prefeito e depois prefeito de Arari, sucessor da saudosa Bembém.
Depois de todo esse trabalho na terra natal e de ver os seus filhos e filhas de sangue e por adoção galgarem grande sucesso nas suas respectivas áreas profissionais – professores, empreendedores, advogados, políticos, economistas e artistas – Antônio de Jesus Santos montou e dirigiu, por longos anos, um Ambulatório muito frequentado, na descida da rua Humberto de Campos, em São Luís, nele atuando como único enfermeiro, competente e abnegado, até pouco tempo. E, de lambuja, ainda lecionava, à noite, em colégios desta cidade magnética.
E não se recolheu o notável arariense à inatividade. Prestes a completar, nestes dias, 99 anos, montou um “laboratório” na sua própria residência, onde fabrica e vende licores e outros ingredientes, e ele próprio, como garoto-propaganda, os exibe pela internet.
Não sabemos até onde vai essa árdua e dinâmica atividade produtiva do enfermeiro, professor, político, alquimista e lúcido cidadão brasileiro Antônio de Jesus Santos, o incansável Tonico Santos, digno da nossa admiração e respeito.
José Fernandes é membro da Academia Ludovicense de Letras, autor, entre outros, do livro “Ao Sabor da Memória.