Onde anda você? | #DQ137

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Trilha:

E por falar em saudade, onde anda aquela que a gente sentia, no intervalo das brigas, no afã das birras? E por falar em desejo, onde andam os beijos, na calada da noite, em que a gente se dava, fechando os olhos e abrindo a alma? E por falar em paixão, cadê seu abraço? Que envolvia meu corpo, num perfeito compasso, às proporções absurdas, e naquele mormaço? E por falar em calor, cadê sua pele que habitava meu tato e arrepiava a derme, fazendo-me suar? E que cercava meu toque, sentindo molhar, derramando o licor do suor dos amantes?

Onde andam as horas que passavam num minuto, fazendo nossas tardes, apenas vultos? Onde andam as surpresas que eram quase rotina? Onde anda a beleza do sorriso que fica, depois de um presente ou uma carta qualquer? Onde anda o mar, que a gente não mais visita, será que ainda há tempo pra amar e sentir-se viva, ou a gente passou tal como aquela brisa? Onde anda a ansiedade que escorria nas mãos? Aquele suor frio nos dedos que denota paixão? E os sentidos mais tolos que se fazia canção, nas palpitadas frenéticas do meu coração?

Onde foram parar os acasos premeditados? Os desvios propositais que nos levavam sempre ao encontro um do outro? Onde foram se esconder os atalhos que antes pegava, pra fugir do trânsito e chegar mais cedo? Onde andam as insônias deliciosas que aconteciam nas madrugadas? Onde andam os feriados inventados e o domingo no meio da semana? Onde anda aquela felicidade toda que se deitava em plena segunda e vestia pijama, tentando adiar o fim do fim de semana? Onde andam as nossas conversas impublicáveis e os sussurros ilícitos? Onde andam nossas carícias ou até os nossos vícios? Onde anda o ritmo que me permitia voar sem correr nenhum risco, permitindo-me saltar dos mais altos precipícios, com a certeza de que até a queda terminava em você? E por falar em perigo, onde anda você, que me deixou cativo, na parte que vais à busca de abrigo, como se precisasse de algo mais do que estar comigo?

 

#DQ137 #espalheamorporaí <3

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E se o amor fosse um corpo/ #DQ136

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Há uma sensação de completude quando se está amando. É como se todo seu corpo estivesse feliz. Você sente cada célula mais disposta. É como se cada milímetro dele estivesse trabalhando em sua melhor performance. Que seria de um corpo sem esqueleto? Que seria do amor sem confiança? A confiança é o esqueleto do amor. É ela quem vai sustentar cada centímetro quadrado dele. É ela quem vai dar formas e curvas. Quanto mais sólida estiver sua confiança, mais forte será o seu sentimento.
O que seriam dos corpos se não fossem as pernas? Você se manteria estático e, por mais saudável que fossem seus ossos (lê-se confiança), sem exercícios, fatalmente, teriam a mesma rigidez de um vidro, afinal são elas que te levarão a lugares inéditos. São elas que permitem acelerar e diminuir o ritmo da caminhada, ou ainda permitem andar de mãos dadas e correr dos perigos que, porventura, vier a se deparar. Assim é com o amor. Ele precisa de paixão pra se exercitar. É preciso uma dose de adrenalina correndo pelas veias. É preciso um pouco de medo. De mãos geladas. De corações em ritmos frenéticos. É preciso um pouco de loucura no paraíso — até mesmo pra paz não se transformar em monotonia.
O que seriam dos corpos se não tivéssemos braços? Até poderiam se locomover, chegar aonde quisessem, no ritmo que bem entendessem, mas, se conectarem? Seria possível? São mãos e braços que nos permitem fazer laços. Amarram-nos às pessoas e, por algumas frações de segundos, viramos um. Abraços aquecem, permitem-nos conectar, encaixar. Eu diria que, no amor, isso é o que chamamos de carinho. Já viu alguém amar sem carinho? Não. Amor é contato. É abraço. É a conexão que permite dois serem um.
É obvio que, assim como o corpo, o amor precisa de muito mais. Você pode sim viver sem os braços ou pernas. Alguns até vivem sem os dois. Certamente, será uma empreitada mais difícil, mas há tanta gente que consegue se superar e, às vezes, fazer coisas que jamais tentou quando tinham todos os membros, não é mesmo? O que não pode faltar mesmo é a confiança. Ela sustenta tudo. Mas se, por acaso, ela for quebrada, não se desespere. Ninguém condena um corpo por alguns ossos quebrados. Você mesmo não desistiria da vida se quebrasse o fêmur. Existe algo chamado cartilagem, mais flexível que os ossos. É ela quem vai moldar seu crescimento. É quem precisa estar presente em todos os ossos e membros de seu corpo. Ela vai amortecer os impactos e suavizar as quedas. Quando a resistência de um osso é colocada à prova, ela entra em ação. Cartilagem é o perdão. É o que todo amor, seja lá qual tipo, precisa. Então, sem cartilagem, não existe nada. Tudo desmorona — até mesmo o amor.

 

#DQ136#Espalheamorporaí<3

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Amar de verdade dói | #DQ135

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Trilha:

“Mar calmo nunca fez bons marinheiros”, “no pain, no gain” e tantas outras frases sugerem a ideia de que as adversidades moldam o caráter, forjam a resistência e nos deixam mais fortes. O mantra da superação é repetido amiúde desde os filmes de ação até em conselhos amorosos. Mas há, nesses intervalos que intercalam os momentos felizes, dor. Muita dor mesmo. Tal como o atleta que rasga os músculos, numa série de hipertrofia, o amor de sua vida lhe fará alguns calos e lhe causará (sim) dor.

A ideia de sentir dor não é necessariamente doer, mas sim de desconforto. Desconforto que a vida em conjunto naturalmente nos traz, ou o causado pelo contrato implícito,  que nos imputa uma liberdade parcial. Talvez você seja adepto dos relacionamentos abertos, o que, ainda sim, não excluiria essa perda de liberdade plena (vamos deixar isso pra uma próxima dose). O cerne da questão é: quanto vale a pena sentir essa dor? Quando sabemos se estamos a sofrer por um bem maior, ou o sofrer é bem maior?

Não existe resposta definitiva pra essas perguntas. Afinal, relacionamento é individualizado, adaptável e ajustado na balança que equilibra a reciprocidade. Penso que, se as ostras pudessem sentir algo, não existiriam pérolas no mar. Imagina só, ter dentro de si, um grão de areia que atrita diariamente com sua carne e disputa espaço dentro de você? Imagina precisar carregar esse grão de areia todo o tempo? Imagina a inveja que ela não deve sentir das outras ostras livres de areia? Mas a ostra vê o grão de areia com esse olhar de superação. Pra ela, a dor parece valer a pena. Então, abraça-a e, envolvendo-a com uma camada lisa, suporta a dor e os dias difíceis. O resultado, a gente sabe, uma pérola é formada e fica bem mais confortável abrigar aquele grão de areia, antes de superfície pontiaguda. Acho que isso nos prova que amar de verdade dói. Porque o amor de verdade nos colocará à prova, tal como as ostras são. A verdade é que a dor amolda, ou melhor, adorna alguns relacionamentos. Tanto que Rubem Alves já dizia: “Ostra feliz, não faz pérola”.

 

#DQ135 #Espalheamorporaí <3

 

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Eu, você e a noite adentro | #DQ134

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Trillha: 

Ali, pela meia noite e meia, depois que as luzes se apagam, e o silêncio se faz ouvir…
Ali, pela meia noite, depois que a cidade cochila, na iminência de viver outro dia repetido, cheio de carros, buzinas e olhares consternados para relógios que passeiam vagamente pelos ponteiros, reprisando o regime infinito: a ditadura do tempo… 

Ali, pela meia noite, que não quer dizer que estamos exatamente às 00h30, pode ser qualquer hora entre a dormência do Sol e a opulência da Lua, ou mesmo a presença de ambos, num eclipse tão raro quanto sublime…
Você me faz tão bem que eu mal sentiria falta do Sol. Você me faz tão bem que eu mal sentiria falta do calor.
Ah, calor…
É tudo que mais temos entre olhares cheios de lasciva e corpos flambados, dourando a alma, dourando o corpo, de dentro pra fora, não só parte, mas todo.

Noite adentro, vagamos no escuro rumo aos diferentes ápices que a vida a dois pode nos oferecer. Franquiamos um ao outro brindes que enchem os corpos, feito taças. Damos ao tradicional “tim-tim”, tons mais graves, ora mais agudos, mas nunca, em hipótese alguma, brindes mudos. É cálice. Fala-se. Mexe-se. Envolve-se. E, assim, deixa-se a verborragia do imperativo justaposta em diálogos impublicáveis e inexprimíveis. Talvez por isso o corpo soe num tom nada suave, escorrendo as mais belas declarações que o mundo já ouviu: “o fogo que arde sem se ver”.

Mais tarde, o Sol subirá enciumado, tentando roubar a atenção novamente pra si. Esconderei você entre as cobertas. Desligarei os relógios. Fecharemos as cortinas, buscando estender a felicidade que se despede em forma de penumbra. Ficamos nós, finalmente mudos, olhando a janela clarear, e a cidade, de mal humor, acordar. Vai ver é o jeito dela de concordar, que a noite que passou ainda há pouco, não deveria passar.

 

#DQ134 #espalheamorporaí <3

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Solidão com vista pro mar | #DQ133

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Trilha:

 

Com a sensação de déjà vu ou de já viver esse dia, mudo o canal da TV. Zapeando todos os canais, desisto. Abro a Netflix. São centenas de opções, mas nenhuma parece boa suficiente pra passar o tempo. Não é déjà vu, é só minha vida: repetida e sem graça.O relógio marca 23h57. Daqui a meia hora, vai marcar 23h58. É o tempo me sabotando, como sempre. É a vida me ensinando que ser feliz não é passagem só de ida. Algumas vezes, é também de volta. 

O tédio, uma pizza fria e uma série qualquer vão fazendo a fotografia do cenário preto e branco da minha vida – ou seria cinza? O porta-retratos colorido, mas sem foto e em formato de coração, lembra que eu já tive um ̶ Coração? Foto? Cor? Ou vida? Talvez tudo. Talvez seja justamente a pessoa, com sorriso de criança e covinhas de bebê, que coloria tudo. Talvez seja aquele sorriso que iluminava meu mundo, que, agora opaco, agora ocre, agora sofre.

Vão me chamar de melancólico, depressivo, e os mais exagerados: suicida. Como se eu tivesse pretensão em tirar mais alguma coisa, tipo a vida. Que mais poderia tirar, quando ela me pediu um tempo? Levou a paz dessa casa e me deixando nesse tormento? Deixou o eco do silêncio que reverbera, em cada canto, uma espécie de luto pretenso. Deixou a janela aberta, com vista pra solidão, que, ao horizonte, confunde- se com o mar, quase formando uma metáfora perfeita. Seria (a) mar em vão? Ou a angústia da espera, ressaca? Seria o amor, essa onda que vai e vem, mas nunca vem em vão? Seria eu, náufrago num mar de lágrima, que à rebenta fez cismar? Teria eu tormenta maior que ver ,todos os dias, por essa janela, uma bela solidão – ainda por cima com vista pro mar?

#DQ133 #espalheamorporaí <3

 

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A irrelevância do choro nos términos | #DQ132

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Trilha: 

Perder alguém é como perder uma parte do corpo. Mas você pode fazer sobreviver sem uma perna, um braço ou até mesmo sem um rim. Perder alguém não é como morrer. A morte representa o fim de tudo. Já perder alguém, não é o fim. E pode ser exatamente o contrário. Perder alguém é o começo de uma dor que, talvez, passe amanhã, ou pode continuar para sempre.

Quando uma epidemia toma conta de uma população, sempre procuram o paciente zero. É uma dedução elementar, mas não menos eficaz, ir à raiz do problema. O choro geralmente representa o início de toda dor. É o reflexo mais primitivo que sentimos quando estamos tristes. Quiçá o choro, tal como febre, seja autodefesa. Chega a ser engraçado, se não fosse trágico, que queimar de febre seja não só um sinônimo, mas um dos passos para a cura. Essa é a mesma sensação das feridas feitas na alma. Elas queimam por dentro, deixando-nos acamados, indefesos, vulneráveis. Algumas dessas feridas não cessam com a ausência de choro, nem tampouco amenizam. Alguns traumas são tão intensos que o silêncio se torna o apelo mais justaposto a que podemos recorrer.

Chorar demais tem o mesmo efeito que o placebo. Ainda que muitos, inclusive eu, defenda o choro como meio essencial ao processo de catarse, ele, por si só, não antecipa ou atrasa nada. O choro, por mais regenerativo que possa parecer, não muda, em nenhum milésimo, o relógio da dor, que dirá o da alegria. Tampouco pode ser visto como um termômetro do quanto você está sofrendo. Assim, desprendido de qualquer tom professoral, afirmo: o choro é irrelevância nas relações que findam. O choro é a vaidade que a dor cultiva de forma ostensiva. É a primazia que os términos, sempre trágicos, trazem a nós. Chorar pode ser lenitivo ou leviano. Pode ser simplesmente uma forma de aliciar a dor, ou buscar a cura, através do pranto. Chorar pode ser tanta coisa — inclusive: nada.

 

#DQ132 #espalheamorporaí <3

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Eu não estou apaixonado por você | #DQ131

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Trilha:

 

Vão dizer que isso é crueldade, mas é o mínimo que lhe devo: minha total— e irrestrita — sinceridade: não, definitivamente, eu não estou apaixonado por você. Eu gosto da sua companhia e da forma como a gente faz a monotonia das segundas parecer férias. Gosto de como a gente decide mudar a programação com outra em curso e, assim, entramos num looping infinito de mudanças e, por fim, não fazemos nada. É a nossa aleatoriedade que me salva do dia a dia maçante e sem graça. Mas não. Mais uma vez, não: eu não estou apaixonado por você.

Eu queria poder corresponder a todo sentimento que você tem no jeito de me olhar, mas você merece mais que minhas tentativas, merece mais que meu querer, merece que dê certo e isso, infelizmente, não posso garantir. Eu não estou apaixonado por você, mas sinto, bem lá no fundo, que poderia estar. Sinto ou quero sentir… é confuso ter em alguém tudo que você precisa, mas de um jeito que você nunca quis. É como tentar montar um quebra-cabeças, com todas as peças e, mesmo assim, não conseguir chegar a uma imagem final, pelo menos, não a que você esperava.

Eu não estou apaixonado por você, mas eu queria estar. E repito que não estou, pra não tentar, nem por um segundo, ser desleal e enganar você. Eu sei que, um dia, você cansará dessa expectativa e vai procurar alguém que não use o “se” ou o “talvez”. Mas se você quiser que eu fique, eu ficarei. Eu sei que não estou apaixonado por você, mas, ao dizer isso, eu sinto tantas saudades, que não sei se é culpa ou a verdade, quiçá os dois, que me invadem. Se você quiser que eu parta da sua vida, eu irei sem olhar pra trás e sem nenhum remorso — Isso não quer dizer, nem de longe, que a gente, pra mim, tanto faz. É só que a verdade liberta, e eu estou sendo sincero com você. Eu não estou apaixonado por você, mesmo que, todo dia, eu seja tentado a mentir sobre isso. Pois dizer que estou apaixonado por você seria mentira. Uma mentira boa. Pra se viver. Pra se contar. Pra se enganar.

 

#DQ131 #Espalheamorporaí

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Olhar pra você dói |#DQ130

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Dizem que os olhos de quem a gente ama são a janela da alma. Dizem que quando sentimos o gosto da reciprocidade no amor é como estar no céu. Talvez seja verdade. Mas eu não posso negar que a janela que dá pra sua alma me faz chorar. Não posso negar que ela está fechada e não há nada que eu possa fazer para que ela abra. Não há como subornar a porta do céu. É por isso que olhar pra você incomoda. É por isso que olhar pra você é um doce deletério. Dói. Fere. Arranca pedaço. É um esquartejar de emoções.

Olhar você é olhar um futuro distante, ilusório, virtual. Amores deveriam preencher o peito e não pressioná-lo contra seu próprio coração, arrancando todo seu fôlego. Amores deveriam abraçar, e não sufocar, feito camisa de força. Amores deveriam ser constantes, e não passar depressa, tipo Sol de inverno, que teima em brilhar em tardes nubladas. Olhar você é atestar a impotência dos que lutam contra essa força imperiosa e natural, chamada destino. Olhar você é ter certeza de que algumas feridas cicatrizam logo. Já outras, nasceram mesmo para ficarem abertas. Olhar você é perceber que o ódio é um sentimento independente. Não adianta querer odiá-lo pra ser mais fácil esquecer. E olhar você me diz exatamente isso.

É algo, em seu olhar, que me faz acreditar que não é possível viver sem você. É algo nessa dor que desatina, vinda desse olhar arrebatador, que me devora a sanidade e me faz torpor. É a necessidade que eu sempre tive de viver os amores que me fazem mal. É o jeito pra lá de masoquista que me faz refém dessas ciladas manjadas e mal resolvidas. É a paz das relações saudáveis, que parece um lugar inóspito para um coração acostumado a sangrar. Olhar pra você dói. E dói —ainda mais— saber que eu não paro de olhar por isso.

 

#DQ130 #Espalheamorporaí <3

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Pra quando estiver vazio |#DQ129

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Trilha: 

 

A roda gigante da vida sempre nos permite ter altos e baixos. Algumas vezes, em frações de segundos. Não. Não estamos falando da bipolaridade que algumas pessoas sentem ao longo do dia, e muito menos da sazonalidade dos tempos bons e ruins, comuns a todos nós. Falo da entressafra. Dessa onda agridoce, feito pororoca, que separa, ou melhor, que delimita o fim de águas salgadas, tipo lágrimas, advindas do mar agitado das relações passadas, com o doce, que nem de longe é sinônimo de tranquilidade, vindo do rio que nos aguarda, assusta e que corre em ritmo de mistério. É ali, pelo meio desse encontro, onde não se sabe quem é doce ou salgado —ainda que digam que essas águas não se misturem —que eu estou. Já não sinto mais a ressaca, nem o salgado das lágrimas, da mesma forma que não há, do outro lado disso tudo, um rio tranquilo, de águas perenes, que me dê a paz que preciso. Eu sou entre os que estão cheios de remorso e os ávidos por novos mergulhos: o nada. Eu sou o vazio.

Ser vazio é ser ausente, mesmo que esteja afogado numa multidão de gente. Ser vazio é estar confuso, se já aceitamos o que passou ou se perdemos a consciência em meio à turbulenta ressaca dos mares. Ser vazio é não saber distinguir se o próximo passo é pra frente ou pra trás. Ser vazio é não saber se você sente falta do passado, a ponto de querer voltar pra ele, ou se está pronto pro futuro, a ponto de mergulhar num rio escuro sem saber a profundidade. Ser vazio é sentir o nada — Eu sei que possibilidade de sentir o nada parece loucura, ou coisa da poesia. Mas só quem já sentiu o vazio ecoar dentro do peito sabe que o vazio pesa tanto quanto qualquer sujeito que, porventura, quiser ocupar seu coração.

Ser vazio é ser ausente para nós mesmos. Ser vazio é o oposto da leveza que os apaixonados relatam, quando dizem o clichê: “o amor os tirou o chão”. Ser vazio é fincar os pés nesse chão. É estar preso num lugar a ponto de sentir os pés colados. Ser vazio é sentir o eco da sua voz soar, feito sino, um silêncio tão alto quanto um grito.

 

#DQ #espalheamorporaí <3

 

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Saber deixar alguém te amar |#DQ128

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O que eu quero é o precipício. Não quero a queda, mas quero estar num posição onde ela seja iminente. Eu quero, ali de cima, olhar o mundo menor e ver meus problemas num horizonte diferente, distante e intangível. Eu quero ver de perto o amor e sentir o perigo. Eu quero que a paciência, de vez em sempre, dê-nos licença, e a gente se despeça das formalidades, por mero capricho. Eu quero ver a saudade. Eu quero que ela, sempre próxima, bata à porta, como um vizinho que mora ao lado e toque a campainha pra pedir, de qualquer coisa, um punhado. Eu quero a sorte de ser sem destino. Eu quero ainda ser seu amigo, mas quero mais a rima que me faz teu namorado.

Faz de conta que ainda é noite e fecha a cortina que esconde o Sol. Vai te enrolando em mim e esquecendo esse lençol. Toma. Toca. Sente. Não te assustes. É só meu peito batendo calmo como frevo. Põe minha testa a encostar na tua e sente o gosto quente das paixões febris. Mexe meu cabelo, pressiona a minha nuca e dança comigo o fluxo perfeito dos corpos que se pertencem. Volta a dormir, como um anjo que repousa sobre meu peito, a paz de quem não parece desse mundo.

De repente, o mundo lá fora nos chama. O despertador insiste, mas a gente persiste e se pega pensando em alguma forma de driblar esses compromissos. É que aqui, dentro dessa casa, eu já tenho tudo que preciso. Faz falta essa paz no mundo lá fora. E tu hás de fazer falta nas próximas horas. Mas a gente se despede, com um beijo demorado que promete, ainda que tacitamente, um até breve: nós vamos voltar.

 

#DQ128 #espalheamorpoaí

 

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