Até lá, eu andarei só | DQ 167

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Trilha:

 

 

Um coração superficial, um violão desafinado e uma dose de qualquer líquido amargo. Isso é o que tenho, é o que me sobra, depois de mais um ciclo de paixão avassaladora, de pressa e de um querer a ti, febril. Eu preciso desfibrilar, desacelerar. Preciso me recompor. Em choque, sou arritmia que precede a morte do pertencer a ti.

Eu me sinto pálida, sem o rubor de teus lábios rente à minha pele, que não mais doura. Antes, cálida e sedenta, agora, saudosa. Eu te quis um pouco mais. Eu, de ti, precisei, mesmo tu sendo, em suma, imprecisão. Sumiste, levando não só o sentido. A direção, levaste o caminho. Para aonde irei, se há sempre essa pedra no meio do caminho? Ou será se o meu caminho é rude feito pedra e revel, contrário ao destino de seguir em outra direção? Que culpa tenho eu, se, desse lado do amor, sofre-se em demasia e se ama em abastança? Assim como o medo que se tem em volta de um precipício é vontade de cair, em volta do amor, tudo é queda. Não existe equilíbrio, não existe prudência.

É que minha rota de amor não tem planos alternativos, atalhos ou passagens secretas. Sou linha reta, com depressões, que espero que releves. Tão improvável quanto encontrar alguém disposto a viver um amor, assim é ele perdurar. Sou dessas que vão amar tudo em um só dia, em uma só noite. Amanhã eu estarei de ressaca moral, em crise de consciência, por me dar por completo, convivendo com o gosto amargo, que fica de beijos fugazes e noites de sacrifícios de corpo, mente e alma. Recuso-me a parceiros de vida, promessas brandas, tenras e eternas. O que eu quero é um pacto, tão forte quanto à vida, tão inesperado quanto à morte.

#espalheamorporaí #DQ167

 

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O que passou, ficou. | DQ 166

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Trilha:

 

Deus me livre de ser esse livro de uma página só. Essa melodia de poucas notas. Essa música só com refrão. Esse quadro monocromático, pintado amiúde. Eu sou inteiro em cada pedaço, em cada instante, em cada momento. Carrego em mim as dores e risos que o passado me trouxe. Não sou depósito, muito menos acumuladora de sensações. Apenas sei dizer que o passado passou. Isso é de uma fantasia catastrófica. O que passou é tão presente quanto o que virá. Eu já não embarco mais em alguns amores, só porque o passado me deu de presente dores que não quero reviver. E reconheço a fugacidade de promessas de amores eternos, que se vão na primeira oportunidade.

Como posso então fingir que o passado simplesmente passou? E que amanhã eu sou um papel em branco, sem rasuras, sem amasso, sem qualquer marca de tinta e nenhum traço? Sou essa escrita torta mesmo. E, algumas vezes, serei cifra indecifrável. Quem disse que precisa sempre fazer sentido pra ficar gravado? Alguns parágrafos, eu vou perder a coerência e me faltará coesão. Em outro, vai sobrar profundidade, mas vai faltar a tal da razão. Em algumas sentenças, não colocarei pontos finais. Deixarei reticências, que é pra se, por acaso, sentir saudade, eu poder continuar. Alguns verbos estão no infinito, justamente por não ainda não serem conjugados com alguém. E talvez nunca serão. Há mais verbos em mim que em qualquer gramática . E não posso exigir o mesmo dos outros. Afinal, pra alguns, eu não faço o menor sentido e-quer saber?- eu não faço mesmo.

 

#DQ166 #espalheamorporaí <3

 

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Entre mortos e feridos | DQ 165

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Trilha: 

Quando o fim se aproxima, a compreensão do começo é completa. A parte boa vira pó, e a gente não sabe muito bem sobre ou sob o que estamos pisando, pensando e falando. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Que saudades de poder dizer essas palavras. Que vontade de poder assumir isso como verdade! Entre os escombros e ruínas, eu resisto. E persisto em cultivar saudades, regar nossas lembranças e mentir que foi só um susto sísmico. Não, não foi. Nenhum susto atingiria tal magnitude. É o fim. O precipício. Pra gente, dessa vez, a queda não é iminente: ela é real. Você não vai conseguir voltar. E por que voltaria? Afinal, não sobrou muita coisa pra gente tentar reerguer, diferente das vezes em que sobrava uma coluna de apoio, um alicerce de saudade, ou uma viga de esperança. Dessa vez, fomos devastados por nossa própria natureza— essa que não nos permite guardar nada, que não nos permite economizar as injúrias e evitar terremotos.

Eu sabia, e até falei a você, desde o começo, que eu seria cilada. Você acreditou e, por algum tempo, também me fez acreditar, que eu não era assim tão errado gostar do pecado, que, com o tempo, eu seria curado. A verdade é que a lógica venceu o amor, ou esse sentimento que senti, seja lá qual for. E minha especialidade em autossabotagem não cedeu, venceu. Deve ser patológico, ou cosmológico, essa minha sina em estragar finais felizes, ou melhor, “meios” felizes, porque eu tenho certeza de que ficamos, ao menos, pelo caminho, muito antes do fim do certo, mas não tão preciso fim.

#espalheamorporaí <3 #DQ165

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Ainda me faz tão bem | DQ 164

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TRILHA: 

Tem o quê? Já faz uns dois anos que a gente não se vê? Que a gente não se beija, que a gente não se deseja? Já faz muito tempo que o nós já se foi, mas, por incrível que pareça, a gente continua a dar certo. Não foi sempre assim. Você sabe bem que admitir uma derrota é bem complicado pra mim. Principalmente admitir que não é você o sorriso do meu lado no café da manhã, que não é a sua mão segurando a minha, enquanto a gente espera o resultado do vestibular do nosso filho, ou que não será sua voz de madrugada, reclamando que essa é sua vez de fazer a caçula parar de chorar. Há tantas coisas que já eram nossas que dá preguiça —ou será medo? —de reconstruir isso com alguém.

Se eu parar pra lembrar o motivo de não estarmos juntos, aí mesmo que meu peito vai arder. E meu coração vai ficar pequenino, apertado pelas mãos frustrantes que o destino pode ter. Não existiu um motivo cabalístico que nos obrigasse a terminar. Apenas passamos um pro outro, sem se dar conta de que nosso amor era passagem. Dizem que tudo na vida passa, mas há algumas passagens que ficam. – Diga-se de passagem, as mais ridículas. Hoje eu desejo a você mais felicidade que nunca, mas eu segurei o choro quando você sorriu com aquele sorriso que jurou ser só meu. Aquele, que você dá franzindo a testa, sem controlar o volume e escancarando a alma. Eu não vou dizer a você como às mil maravilhas anda minha vida, mas torço pra que a sua esteja ainda melhor. Você merece o cara mais incrível do mundo. Não leia isso como um clichê barato. Tem mais amor nessas palavras do que em qualquer presente que ele pode um dia dar a você.

Você continua fazendo parte de mim, mesmo que a gente não se veja. Você continua sendo um dos pedidos de proteção, nas minhas orações matinais. Eu vou querê-la sempre bem, porque você ainda me faz tão bem, que mesmo que não fizesse, ainda sim iria querê-la bem. Você não sabe como é difícil, no mundo de hoje, colecionar saudades. E você? Ah, você é uma dessas pessoas colecionáveis. Um desses amores memoráveis, como um filme bom que vale a pena rever. Você, ainda que distante, ainda me faz tão bem.

 

#DQ164 #espalheamorporaí <3

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Roleta russa do amor | DQ 163

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Trilha:

A verdade é que me enganaram. Disseram-me que amor era algo tão natural, que eu iria aprender sem cair tanto. Ledo engano. Eu penso,  depois de todos esses erros que carrego no peito, que amar alguém é como brincar de roleta russa. A única ressalva é que não é apenas uma bala que colocamos no tambor do revólver. E o calibre, dependendo do sentimento,  faz ainda mais estrago. Ao contrário da roleta russa, como conhecemos, no amor, são várias munições engatilhadas, prontas pra nos detonar e apenas uma chance de não cometer suicídio. A lógica pode até ser similar, mas as probabilidades são totalmente inversas.

 

Disseram-me que, quando se ama, a gente nasce novamente. Mas e quando se erra o alvo? Quando se puxa o gatilho no momento errado? O que vem depois do disparo do tambor? Se acertar (lê-se: amar), é nascer novamente, amar quem não nos merece é similar a um suicídio. Pode até ser que a morte seja ficção, mas a dor, essa sim, é real. Amar alguém que nos fere mortalmente, como se nós fôssemos culpados pelo crime de tentar, é ser condenado pelo gatilho que nós mesmos puxamos, toda vez que a roleta gira.

 

A gente vai brincando, vai se viciando e se matando, mesmo que figurativamente. E aí apertamos gatilhos, gastamos  munições e vamos brincando com a sorte, jurando não mais nos precipitar ou brincar com algo tão sério e perigoso. Mas a adrenalina é viciante e, ainda que seja errado, amar é um sentimento tão gostoso, que mal dá pra resistir. Daí o grande problema é justamente esse: nós nos viciamos nos riscos, na adrenalina, no medo que estar refém nos traz. Seria cômico, se não fosse trágico, mas na roleta russa do amor, somos presas fáceis de um destino que, de um jeito ou de outro, é sempre fatal.

 

#DQ163 #espalheamorpoaí <3

 

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Ao sentir saudade do ex, leia. | DQ 162

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TRILHA: 

Saudade é aquele sintoma tão genérico quanto dor de cabeça. Parece que qualquer doença, desde um simples mal estar até um aneurisma inoperável, tem como sintoma a dor de cabeça. Dispensada as razões médicas para isso, vamos nos ater à relação geral que dores de cabeça aparecem, como sintoma pra qualquer coisa. A saudade, costumeiramente, é entendida como a falta de algo que foi bom. É lembrar-se de algo que estamos distantes. Mas o que todo mundo esqueceu é que sentir saudade, tal como dor de cabeça, pode significar qualquer coisa— inclusive nada.

Segundo algum instituto que ninguém conhece, mas se está na internet é verdade, cerca de 84% dos ex voltam por conta da bendita saudade, os outros 16% não voltaram porque AINDA não sentiram. E por quê? Porque saudade é traiçoeira como o sono. Chega lentamente e quando você percebe já é tarde demais. Saudade sempre esconde os motivos que levaram ao término e evidencia toda parte bonita, que até os piores relacionamentos, conseguem ter. Sem contar que o sentimento de saudade traz consigo a incompletude e faz um convite descarado— mas não mesmo sedutor— ao recomeço.

Sentir saudade nos dá a falsa sensação de que a volta é o melhor caminho. Mesmo que, na realidade, a gente nunca volte exatamente para o momento em que sentimos saudade. Geralmente são algumas casas depois, tipo naquela parte em que você quase decidiu acabar. Saudade não pode ser vista como a remissão dos pecados cometidos por ambos, ou a catarse simbólica de que o tempo os fez evoluir e dizimou os erros cometidos.

Obviamente que algumas voltas são necessárias. Essas exceções provam a regra de que saudade, assim como dor de cabeça, por si só, não significa nada. Saudade não é um caminho, indício, ou sinal divino de volta. Saudade é fugaz, corriqueira. Tipo as fruta de época que sempre parecem mais saborosas, mas continuam sendo as mesmas frutas. Ou, pra continuar na mesma analogia, saudade é aquela dor de cabeça que a gente espera pra ver se continua mesmo, ou se simplesmente passa. Se continuar, vale procurar ajuda, se não do médico, do ex.

 

#162 #espalheamorporaí

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“Mais ou menos” serve? | DQ 161

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“Mais ou menos feliz” é a definição mais vergonhosa que uma relação pode ser enquadrada. Explico, basicamente. Relacionamentos são divididos em duas grandes áreas: os que servem como exemplo, e os que servem como inspiração. A primeira categoria é daqueles que servem pra gente aprender com erros e acertos. É aquela EXperiência que teve lá seus momentos coloridos e, durante algum espaço de tempo, foi inspirador, mas chegou a um momento em que as cores foram desbotando, e o tom não parecia mais tão harmônico quanto antes. Acabou, mas deixaram boas lembranças coloridas. Outras, nem tanto. Porém, é pra isso que servem as EXperiências, não é mesmo?

A segunda categoria é o Santo Graal, e que, geralmente, não precisam ser vividas de uma vez. São as relações inspiradoras, que crescem com o tempo e contagiam todos ao seu redor. Até têm seus altos e baixos, mesmo que a sensação é de que há uma mola, lá embaixo que não os deixa ficar muito tempo lá e surgem ainda melhor. A questão é que alcançar essa categoria é um privilégio para poucos. Não porque são poucos os que merecem, mas porque poucos são os que se esforçam, de fato, para chegarem até a essa categoria.

Apesar de mencionar somente duas grandes categorias, há uma que não podemos sequer chamar assim, até porque relacionamentos assim não são lá “de categoria”. É uma espécime de subclasse das relações amorosas: “os mais ou menos felizes”. A vida morna, sem altos e baixos, sempre na parte média, que não sobe nem desce. Ali, pela metade, gastam suas vidas completamente.

É vergonhoso, pra não dizer humilhante, viver uma relação mais ou menos. Essas não conseguem sequer evoluir e, ainda que mal, virar um Exemplo. Além de passar a léguas das relações inspiradoras. São os atrasos de vida. Ciladas do caminho. Atalhos que não levam a lugar algum. Estar “mais ou menos feliz” é como “mais ou menos” viver, ou “mais ou menos” amar ̶ quer dizer ̶ Existe “mais ou menos” amar? Não sei. Estou mais ou menos certo de que não.

 

#DQ161 #espalheamorporaí <3

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Saudade é dose | DQ 160

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Trilha:

Leonardo terminou seu relacionamento mais promissor. Digo ‘promissor’, porque ele já durava incríveis quatro meses. Sentado no carro, a ponto de um colapso mental, ele enfrenta os fantasmas mais reais que podemos ver.

“Disca o número dela, eu sei que a gente sabe”. Número de quem? Eu sei lá do que eu estou falando? Meio maluco, né? Conservar consigo mesmo e entrar num dilema a sós. Daí, a gente conversa com aquela voz que pede sempre o que você mais quer e menos precisa. Coloca uma música no volume máximo e canta toda a letra. Quem sabe o volume alto, distrai o pensamento e a gente volte a pensar em…
Uma mulher passa com a mesma tatoo…mas que raios lá vem o alter ego reclamar da falta que ainda quero e da presença que não preciso? Preciso de algo mais forte ̶ Isso, um livro. Ler é uma boa opção. A gente senta e foca numa parte, começa a ler e aquela voz fica ocupada, porque agora ela é obrigada a ler também.

Página 57, de um parágrafo aleatório de livro qualquer: “Coloque todos os ingredientes na forma e misture” ̶ Ah, de receita, não. Não é possível que aqui não haja nenhuma literatura de verdade. Pelo menos, parece fácil de fazer. “Pelo menos” assim, com esses poucos passos, acho que não aconteceria um desastre culinário “, se a Jú…
Justamente, isso mesmo. Droga, de novo? Será que qualquer coisa que eu faça vai me lembrar dela? Desisto como um viciado sucumbe ao vício . Disco o número mais rápido, que até meu alter ego se surpreende ̶ É o costume, penso de forma debochada.
Por um momento, lembro que estou debochando de mim mesmo, e isso me deixa mais confuso até ser surpreendido com a voz daquela que preservaremos o nome por fins autorais.

– Alô? Léo, já ia te ligar.
– Sério? O que era?
– Ah, nada importante, mas e você?
– Eu, o quê ?
– Ué, você me ligou…
– Ah, sim é que… É… Quer fazer fricassê de frango?
– Não sei cozinhar, você vive reclamando da minha comida.
– De frango? É fácil. Tem uma receita aqui no livro.
– Receita? Você tá lendo receita? E aquele papo sobre literatura de verdade? Ah, sei lá a gente terminou já. Não acho uma boa ideia.

Ela desliga, logo agora que eu estava passando, por acaso, pelo prédio dela. A pior parte nem foi ler um livro de receita, mas saudade, pô, é dose.

 

#DQ160 #espalheamorporaí <3

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COMO NASCEU A PAIXÃO? | DQ 159

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Trilha: 

Num dado momento, antes dos sentimentos descerem à Terra, eles habitavam corpos multidimensionais. Vagando pelo infinito do universo, cada um possuía uma polaridade e, pelo menos ali, as leis da Física sobre atração dos corpos se aplicavam sem qualquer impedimento. Amor e ódio viviam se chocando, não por querer, mas por serem de polos tão opostos que a atração era instantânea. Bastava o Amor passar a poucas léguas de onde o ódio estivesse que…. “BOOM”! Chocavam-se violentamente.

O Amor, cansado desse encontro kármico e perigoso, precisava urgente de umas férias. Escondeu-se nos lugares nunca habitados nem por seres superiores. Mas bastou vacilar um instante e jaz… o Ódio o encontrou. Então, o Amor pensou… pensou… até que teve uma ideia ingenuamente perfeita. Resolveu criar um alter ego, mas que tivesse uma polaridade (Lê-se: força) tão grande quanto ele? O Amor precisava de algo forte, intenso, que, num primeiro momento, fosse confundido com ele. Algo que pudesse atrair o ódio e, finalmente, estivesse livre dos encontros tempestuosos que o ódio provocava. É óbvio que não poderia dar certo. Afinal, sobrava altruísmo, mas faltava malícia.

Após alguns milhares de anos de pesquisa e testes, finalmente, o amor conseguiu um alter ego perfeito. Ao terminar sua criação, o Amor quase não acreditou. Criou algo tão idêntico que parecia que estava diante de um espelho. É claro que a criatura não era tão completa quanto o criador, mas pra um alter ego, estava perfeito. Assim, o Amor explicou à sua criação qual seria a missão: encenar fugas, para despistar o Ódio e se passar por ele. Em troca, além da existência, a criatura teria garantidos momentos de êxtase, uma espécie de Santo Graal dos sentimentos. Trato selado. O Amor batizou sua criatura de Paixão.

Tudo ocorria bem. O Amor andava livre dos encontros: a Paixão, vivendo numa ladeira infinita de emoções, e o Ódio, enganado. Até que um dia, a Paixão cansou de ser o que era e resolveu ser Amor. Passou a andar de mãos dadas com o Ódio e parou de encenar fugas. Paixão estava decidida a mentir para todos, e não mais só para o Ódio. Os outros sentimentos estranharam as novas atitudes de “Amor”, e a convivência ficara insuportável, até que se distanciaram completamente dele. A Paixão sequer fez questão e os substituiu, mais rápido que imediatamente, por novos amigos.

Enquanto isso, o Amor descansava pleno, sem saber o que acontecia, até que resolveu voltar. Logo na chegada, o Amor foi ignorado por todos seus amigos mais próximos. Confuso, investigou e descobriu o golpe que sofreu. Tentou, por diversas vezes, desmascarar o impostor. Em vão. Faltava malícia para bolar algum plano que pudesse revelar a verdadeira identidade da Paixão. Desesperado e envergonhado do que fez, o Amor suplicou ao ser superior a tudo, o Tempo. Afinal, não havia nada que resistisse a ele. O Tempo já sabia de tudo que estava acontecendo, mas lamentou profundamente não poder fazer nada. O Tempo não poderia antecipar um milésimo. Do contrário, tudo entraria em colapso. Mas pediu ao Amor que fosse paciente e, com um sorriso no rosto, advertiu -o: “Eu nunca vi, até hoje, desde a eternidade, Amor querer tirar férias”.

 

#DQ159 #Espalheamorporaí <3

 

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AMOR É DITONGO – DQ158

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Se a vida fosse uma palavra, certamente sentimentos seriam vogais.

Alguém pode perguntar: “Mas por que não é consoante?”

É que não existem — pelo menos não ainda— palavras sem vogais, tal como não há vida sem sentimentos. O que dá sentido à vida são os sentimentos que ela nos permite viver. Dessa forma, encontrar alguém, e se relacionar com esse alguém, seria algo como um encontro vocálico. Em todo encontro, ou em toda relação, há sempre um lado mais forte — o que não significa mais importante — que outro. O equilíbrio perfeito nas relações seria catastrófico. Afinal, a situação de equilíbrio só é possível com forças que se anulam, apesar de  alguns serem adeptos, ou, nos casos mais trágicos, submetidos aos tritongos da vida— o que eu acho um desperdício de vogais e suicídio linguístico.

Não vamos nos ater ao bigamismo vocálico (lê-se: sentimental) existente no mundo. Falemos da paridade das vogais e de como isso pode ser didático para nossos relacionamentos. Assim, desprezamos triângulos amorosos consensuais ou não. E sobram só ditongos e hiatos.

Hiatos e ditongos sempre me ferraram em provas do Fundamental. Lá estavam duas vogais juntas, e eu observava os detalhes, em busca de pistas que caracterizassem qual o tipo de relação que havia ali. Parece hiato — pensava — mas acho que é ditongo. Sempre errava tudo. Até que uma professora me soprou uma dica, mal sabendo ela que serviria pra vida. “Se separar a sílaba, é hiato. Porque hiato significa intervalo”. Percebem? Esse detalhe caracteriza sem precisar pensar muito qual o tipo de relação.

Na vida, sempre se chega à bifurcação da dúvida. E nem sempre é fácil saber se aquele encontro é amor, ou só mais um pra nossa coleção. Talvez amor seja tal como ditongo: que não se separa de jeito nenhum. Já o hiato deve ser esses casos que, na primeira oportunidade, pulam pra outra sílaba e nos deixam sozinhos. Talvez a vida seja superar os hiatos, esses pequenos intervalos, que nos fazem companhia breve até chegar algo que nos sele, como quem sabe? um ditongo. Há quem goste do espaço de uma vida de hiatos. Mas prefiro ditongos: separações periódicas deixam a vida um completo embaraço.

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