AMOR É DITONGO – DQ158
Se a vida fosse uma palavra, certamente sentimentos seriam vogais.
Alguém pode perguntar: “Mas por que não é consoante?”
É que não existem — pelo menos não ainda— palavras sem vogais, tal como não há vida sem sentimentos. O que dá sentido à vida são os sentimentos que ela nos permite viver. Dessa forma, encontrar alguém, e se relacionar com esse alguém, seria algo como um encontro vocálico. Em todo encontro, ou em toda relação, há sempre um lado mais forte — o que não significa mais importante — que outro. O equilíbrio perfeito nas relações seria catastrófico. Afinal, a situação de equilíbrio só é possível com forças que se anulam, apesar de alguns serem adeptos, ou, nos casos mais trágicos, submetidos aos tritongos da vida— o que eu acho um desperdício de vogais e suicídio linguístico.
Não vamos nos ater ao bigamismo vocálico (lê-se: sentimental) existente no mundo. Falemos da paridade das vogais e de como isso pode ser didático para nossos relacionamentos. Assim, desprezamos triângulos amorosos consensuais ou não. E sobram só ditongos e hiatos.
Hiatos e ditongos sempre me ferraram em provas do Fundamental. Lá estavam duas vogais juntas, e eu observava os detalhes, em busca de pistas que caracterizassem qual o tipo de relação que havia ali. Parece hiato — pensava — mas acho que é ditongo. Sempre errava tudo. Até que uma professora me soprou uma dica, mal sabendo ela que serviria pra vida. “Se separar a sílaba, é hiato. Porque hiato significa intervalo”. Percebem? Esse detalhe caracteriza sem precisar pensar muito qual o tipo de relação.
Na vida, sempre se chega à bifurcação da dúvida. E nem sempre é fácil saber se aquele encontro é amor, ou só mais um pra nossa coleção. Talvez amor seja tal como ditongo: que não se separa de jeito nenhum. Já o hiato deve ser esses casos que, na primeira oportunidade, pulam pra outra sílaba e nos deixam sozinhos. Talvez a vida seja superar os hiatos, esses pequenos intervalos, que nos fazem companhia breve até chegar algo que nos sele, como — quem sabe? — um ditongo. Há quem goste do espaço de uma vida de hiatos. Mas prefiro ditongos: separações periódicas deixam a vida um completo embaraço.