Trilha:
Deus me livre de ser esse livro de uma página só. Essa melodia de poucas notas. Essa música só com refrão. Esse quadro monocromático, pintado amiúde. Eu sou inteiro em cada pedaço, em cada instante, em cada momento. Carrego em mim as dores e risos que o passado me trouxe. Não sou depósito, muito menos acumuladora de sensações. Apenas sei dizer que o passado passou. Isso é de uma fantasia catastrófica. O que passou é tão presente quanto o que virá. Eu já não embarco mais em alguns amores, só porque o passado me deu de presente dores que não quero reviver. E reconheço a fugacidade de promessas de amores eternos, que se vão na primeira oportunidade.
Como posso então fingir que o passado simplesmente passou? E que amanhã eu sou um papel em branco, sem rasuras, sem amasso, sem qualquer marca de tinta e nenhum traço? Sou essa escrita torta mesmo. E, algumas vezes, serei cifra indecifrável. Quem disse que precisa sempre fazer sentido pra ficar gravado? Alguns parágrafos, eu vou perder a coerência e me faltará coesão. Em outro, vai sobrar profundidade, mas vai faltar a tal da razão. Em algumas sentenças, não colocarei pontos finais. Deixarei reticências, que é pra se, por acaso, sentir saudade, eu poder continuar. Alguns verbos estão no infinito, justamente por não ainda não serem conjugados com alguém. E talvez nunca serão. Há mais verbos em mim que em qualquer gramática . E não posso exigir o mesmo dos outros. Afinal, pra alguns, eu não faço o menor sentido e-quer saber?- eu não faço mesmo.
#DQ166 #espalheamorporaí <3