Trilha:
Eu sempre deixei tudo pra depois, não por preguiça, mas porque a ideia de que toda decisão muda completamente o futuro sempre me deixou um tanto atordoado. E foi nessa mania de planejar minunciosamente cada detalhe, que eu conheci alguém que só foi perguntar meu nome na quarta pergunta. Alguém que saltou do tradicional —e por que não clichê? — questionário prévio (nome, idade e profissão), e foi logo perguntando se eu gostava de sushi. Tempos mais tarde, descobri que, se eu dissesse que sim, isso mudaria completamente as coisas.
Conheci alguém que planejou uma viagem inteira, no intervalo de uma sobremesa, num dos vários almoços de última hora. Era pra um lugar de praia, sem saber, ao menos, se eu curtia praia. E, então, decidimos (Lê-se: decidiu) ir pra fazenda da minha avó que, em dois dias, já a chamava de neta, cobrava bisnetos, e nós ainda não estávamos nem na fase de se chamar de apelidos vergonhosos. Ela vivia tudo no limite da prudência, nessa linha invisível, que separa os loucos dos excêntricos, e que a gente não sabe muito bem de que lado está. Mas a bagunça que ela fazia, estranhamente, organizava a minha regrada e disciplinada rotina. Diferente de outras tantas, ou nem tantas, mas outras.
Eu, estranhamente, não me sentia invadido. Não do jeito que deveria ficar, ao ver que o espelho sujo de pasta, que antes seria caos, agora me faz cócegas. Vai ver foram as nossas inicias, no canto do box, que me fizeram graça. Logo ela, dona das originalidades, apelando pra clichês amorosos. Ela faz da minha casa uma novidade todo dia. Já encontrei até livro no armário da pia. Não gosta de cozinhar nada, mas faz um café que desperta até a alma. Inclusive essa friorenta que eu costumava usar. Aos poucos, se é que existe pouco com ela, a vida se equilibra de um jeito diferente. Menos organizada. Menos previsível. Faz menos sentido. Mas hoje, sem dúvidas, sou bem mais feliz.
#DQ156 #espalheamorporaí