Trilha:
O pouco que me resta de sanidade faz tua ausência ser menos doída. É que esse fiapo de lucidez que segurava minhas vontades, segura hoje também as meias verdades que eu preciso criar pra não acreditar que nosso fim já chegou. É teu cheiro, que já passa por não se perceber, entre os lençóis arrumados, numa cama tranquila que não aquece, nem amarrota. É o hálito que sai de tua boca, que prometia sempre perdição, que agora se perde no ar. É a pele que toca num tato estranho e me traz uma lembrança tardia —ou seria letargia —de que a gente já foi mais?
Eram os beijos que envolviam mais que lábios, e o sentimento que envolvia também a alma, mas que hoje só vaga de um lado pro outro, tipo cadeira de balanço quebrada. Cadeira de balanço… É assim que me sinto: como se estar contigo me mantivesse ocupado, indo de um lado pro outro, mas sem sair do lugar. Onde foi que nós deixamos de nos querer e nos fazer querência? Onde foi que nossa paixão deu lugar às formalidades dos dias comuns? Onde foi que esquecemos o botão de voltar alguns capítulos e, num loop infinito, brincar de ser pra sempre? Onde foi que não ouvimos a trilha final que anunciava a subida dos créditos e o fade out?
E se eu soubesse a resposta dessas perguntas, talvez me convencesse de que não ainda é cedo pra dizer a Deus. Pra dizer pra Ele que desfaça o trato e nos reparta de novo. Talvez eu te esconda da vista dEle, como quem protege o que tem de mais precioso. Talvez eu ganhe tempo pra mudar tudo e não enfrentar, a pés descalços, esse dilúvio que a tua partida me fará passar. E tu? Se tivesses confuso? Tu nadarias por mim e por ti e enfrentaria tudo? O que tu farias se, no meio do mar, eu tivesse à deriva? Tu voltarias pro cais ou nadaria mar acima? Por favor, diz pra mim.
#DQ144 #Espalheamorporaí