A crônica do fim do Mundo |#DQ 122

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O mundo resolveu acabar em uma quinta-feira, dia do nosso happy hour. É a deixa que o universo fez pra eu tentar chegar na Patrícia. Eu não bebo, mas vou precisar beber pra fazer isso. Ela é filha de um militar reformado alcoólatra alemão e uma carioca. Ou seja, ele bebia na mamadeira, ouvindo Zeca Pagodinho, como canção de ninar. Mas Patrícia é linda, então vale o porre.

– Oi, Patrícia , quanto tempo!

– Fabrício, a gente trabalha junto.

– É, mas lá é um ambiente formal. Aqui as coisas são diferentes.

– Você acha? – disse ela, com certo desdém.

(1×0 pra Patrícia.
Mas o jogo começou agora…)

– Mas é que no ambiente de trabalho, a gente não tem tanto tempo- eu rebato.

– Fabrício, eu te dou carona três vezes por semana , pra você ficar no Pilates.

– Academia.

– Pilates. Todo mundo sabe que você faz Pilates.

– Droga, você contou?

– Você faz pilates mesmo, Fabrício?

– Não, é que… Esquece. Vamos começar de novo.

– Começar o quê?

– O papo. Você não está interessada? Calma. Não precisa responder.

(Merda, 2×0 pra Patrícia. Vou pedir uma bebida. Não bebo, mas isso deve me fazer descolado e relaxado)

– Garçom, um Smoothie, por favor!

(Patrícia me olha, como se eu estivesse pedindo órgãos no mercado negro)

– Quer dizer (com voz mais grossa) Um Smoothie, agora! (Sem “por favor”)

(Patrícia levanta os olhos, como se estivesse me desaprovando. Ela não deve ser o tipo de mulher que acha legal ser mal educado -ainda bem!)

– Um Smoothie? Sério?- ela questiona.

O garçom ri. Eles se olham, talvez se conheçam. Ou talvez ela seja amante dele, e a esposa dele esteja por perto.

– Duplo… Com Vodka… Põe Whysky também. Ah, um pouco daquele vidro marrom- falo, destemido

– Rum-responde o garçom

(Que merda é rum?)

– Tá tudo bem? Você tem certeza de que vai pedir toda essa mistura? Não sabia que era tão resistente – diz Patrícia, sorrindo.

(O sorriso dela é lindo. Acho que o jogo vai começar a virar)

– Pronto. Smoothie de vodka com Whisky e Rum, sabor morango -disse o garçom.

– Morango? – Patrícia ri, com uma mistura de desaprovação e surpresa-Pensei que você bebia coisa de verdade.

(Porra, esse garçom é foda. Perdeu os 10% dele, por causa desse sabor morango. 3×0 pra Patrícia)

– Pois é… Morango. Logo eu, que adoro melão- ela afirma.

– Melão? Hã?

(Merda, 4×0. Eu me sinto num Brasil e Alemanha. Quer dizer…)

– Melão é uma bebida lá do meu interior, feita com cachaça na época nos escravos – ela revela

– Mas você não nasceu em Salvador?

– Pois é, no interior de Salvador… Os escravos do meu pai bebiam isso.

– Seu pai era dono de escravos?

– Não, ele era só o capitão do mato. Digo, ele era gerente da fazenda.

– Sim, sei…- respondo desconfiado

– Mas, Patrícia, me fala mais sobre você. Sempre é tão séria, sempre usa roupas bem formais…

– Fabrício, a gente trabalha no escritório de advocacia.

– Mas não quer dizer que precisa que ser séria o tempo todo.

– Jura? Vou defender os clientes agora contando piadas?

(Rio forçadamente, o que me faz parecer mais retardado que o normal)

– Você é fandega, Patrícia.

– Pândega, Fabrício.

– Não, obrigado. Vou ficar só no Smoothie.

– Não, você falou errado.

– Smoothie. Eu sempre esqueço de soprar a língua, pra fazer o “F” certinho.

– O quê?

– Esquece. Patrícia, eu vou direto ao ponto.

– Diga!

– Quer sair comigo?

– Sim, lógico. Aqui está muito chato, né? Eu te dou carona. Vamos.

– Não, sair juntos.

– É, eu sei. Mas essa era a deixa pra não ter que te dar um fora. Não é justo pegar um fora no último dia da humanidade, não acha?

 

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