Trilha:
A Língua Portuguesa até tentou classificar o perdão. Colocou “perdoar” como um verbo transitivo direto e indireto, ou seja, há objetos diretos e indiretos concomitantemente. A bitransitividade do verbo realça o que todo mundo já sabe epistemologicamente: o perdão foi feito para perdoar – salva quem pede, salva quem dá. Algumas pessoas julgam-se incapazes de perdoar, talvez por tentarem mimetizar o perdão divino. Aqui, uma ressalva: ele tem a proeza de concede-lo dar o perdão de forma plena, gratuita e ainda jogar num tal mar de esquecimento. Mas nós, meros mortais, não temos essa capacidade. Se não temos, não podemos condicionar o perdão à nossa capacidade de esquecer. Nem esperar que ele cresça de forma involuntária, como se fosse algo inato.
Não somos capazes de liberar o perdão instantaneamente. Afinal, perdão não é simplesmente doado, é liberado. Com isso, a mágoa que existe dentro de você é mitigada. Esse exercício é, para alguns, menos dispendioso. Para outros, um calvário. O nível de envolvimento, ou melhor, de comprometimento em uma relação pode, e geralmente afeta, a capacidade de perdoar. A dificuldade em perdoar não obedece a uma razão entre ter ou não um bom coração. Na verdade, o perdão não obedece a nenhuma regra. É uma espécie de alter ego altruísta se voltando contra o ego egoísta. É um exercício contrário à nossa natureza. Por isso, temos tanta dificuldade em perdoar.
Outra questão que deve ser comentada é a que diz respeito ao poder. O homem sempre teve um fascínio por ele. Há uma concepção errônea do perdão. Há quem ache que quem perdoa está algum grau acima daquele que o recebe. Não, absolutamente. O perdão é o espelho que reflete desculpa como cura, tanto do culpado como de quem culpa. Assim, temos incólume ao perdão um bálsamo que banha ambos. Muito diferente do lavar de mãos de Pilatos. Se Pilatos tivesse perdoado, não lavaria as mãos. Por isso, libere o perdão: pelo outro e, principalmente, por você.
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