Trilha:
Eu sei, talvez não hoje. Talvez não amanhã. Mas eu sei que vou te encontrar. Vou seguindo por aquele caminho, tal como o leito banha a margem e limita a corrente que move as águas, fazendo um rio novo a cada segundo. Tal como o acaso que faz o mar encontrar o rio, num ponto tão certo quanto próximo. Acaso esse, premeditado pela força de um desejo pelo que é maior que eu. É o poder de atração que os corpos maiores exercem sobre os menores. Os cientistas chamaram isso de gravidade. Deve ser mesmo…Grave, esse som imponente. Essa força que grita, dentro de nós dois, um encontro que urge das entranhas do destino. E ecoa, nos porões mais escuros, a certeza de um encontro futuro.
É que daqui, nessa parte nascente, eu ainda não te vejo sendo parte dos meandros que desafiam o meu prosseguir. Mas é certo que corro rumo a ti. Adiante, a margem cerca a confluência dos atalhos que eu poderia tomar. E são tantos, mas tantos, que eu juro que tentei resistir. Fui desaguando de foz em foz até ser fossa. Doeu. Sofri. Escorri lento, quase morto num leito magro que andava e não mais corria. Daí, tal como a promessa que o divino fizera, lá no início dessa jornada, eu fui força. Força que lavava, agora, os campos áridos que me esperavam ansiosamente. Nessa hora, fui deleite. Fui como chuva que traz vida nova à relva do campo. Tornei-me impetuosamente voraz, devorando tudo que estava ao meu alcance. Nem mais a margem me limitava. Achei que havia evoluído, mas tudo que é demais, sobra. Sobrei. E vazando pelas laterais, pus tudo a perder. Estava eu sendo desgraça. Logo eu, que sempre fui sinônimo de benção!
Até que, depois de tempos secos e molhados, de escassez a exagerado, eu, finalmente, atendi ao meu chamado. Avistei-te de longe e sabia que era hora de descanso. Era o último afogar. O último mergulho de um rio perene. Fui depressa ao teu encontro, mergulhando com toda minha pequenez. Sim, pequenez… Encontrar-te me fez pequeno, calmo, tranquilo e sereno. Lembrei-me da época em que era bica, saltando das entranhas da terra, nascendo pra ti, morrendo pra vida. Fui, assim como o tempo, passagem: passei. Tanto que lutei pra te encontrar, mas meu destino é correr. Corro feliz, pois, de todos encontros efêmeros que tive na vida, o teu encontro foi, sem dúvidas, a mais bela parte das minhas eternas partidas.
#DQ154 #espalheamorporaí <3