Trilha:
Sabe esse ar quente, que sopra o rosto e aquece a alma, nesses segundos que antecedem o primeiro beijo dos últimos lábios que você conhecerá na vida? Sabe aquela trilha que parece milimetricamente pensada e, quando toca, você se dá conta de que, de alguma forma, alguém já viveu esse sentimento que parece ser tão seu? Sabe quando o beijo ainda é labirinto de curiosidades deliciosas, e a descoberta é uma companheira constante? Sabe quando a felicidade faz morada num sorriso, que a dona insistia em esconder atrás de mãos pequenas e tímidas, que o protegem, feito guardas reais? Sabe o hábito e a rotina que escondem a delícia que era acordar com esse alguém do lado?
É que o tempo passa e sequestra emoções, antes tão singelas, transformando o que era motivo de contemplação em hábito. Daí, a gente perde a sensibilidade de agradecer os detalhes e põe tudo num pacote só, chamado rotina. É inevitável que, na vida, nosso escapismo ocupe o lugar do elogio diário, do beijo roubado, da mão boba, da ligação inusitada e das viagens mal planejadas. O tempo solidifica as coisas e estabelece seu próprio ritmo. Chamam isso de maturidade, mas, às vezes, dá saudade daquela aleatoriedade bonita a que a gente costumava se organizar.
Então, querida, hoje -pelo menos hoje- beije-me devagar. Ponha o som em volume alto. Esqueça o síndico e as convenções que tanto nos prendem. Esqueça o conforto da cama e a parcimônia dietética dos jantares comedidos. Deite aqui, no chão, e peça algo proibido. Suja minha boca e limpe devagar. Esqueça os horários e finja que os relógios giram ao nosso favor. Querida, esqueça o mundo e as mil e uma atividades que existem nele. Hoje somos só eu e você, tipo aquela primeira vez na praia. Tire os sapatos. Ande descalça. Sinta os pés tocarem o chão frio e me beije com seu hálito quente novamente. Aqueça a minha alma e queime meu juízo. Hoje nós somos aquele passado imaturo, porque, às vezes, isso também é preciso.
#DQ151 #espalheamorporaí <3