Trilha:
Casal jantando, risos individualizados numa mesa redonda de pouco mais de um metro, mas a distância entre eles não é tão curta quanto parece. Do outro lado, um homem toma um café numa caneca rasa e esboça uns risos espásticos. Por volta de todo lugar, as pessoas viajam em seus touch screens e aplicativos, tentando trazer quem está longe pra perto. Será? O mundo gira e, tal como o tempo, parece condenado à continuidade perene da eternidade.
Nós entramos nesse carrossel que nunca para de girar. E o que é pior: num único sentido. É pra lá, pro futuro, que o mundo segue, e a gente segue junto. Junto? Será? Será se a gente tem mesmo companhia? Ou será se estar junto não é mera coincidência conveniente? Sei lá, vai que a pessoa que nos acompanha está ali por carona, ou vai que sou eu quem está pegando carona no carrossel alheio e perdi, por medo, a hora de parar. Parar? Ele não para. Gira, gira e gira. É, eu acho que já passei aqui antes – Déjà vu, ou seria rotina? Carona arriscada essa que, às vezes, a gente pega na vida do outro. É carona ou viagem suicida? Afinal, isso sim é de matar: ser passageiro do destino e vagar sem rumo, por puro medo de ficar sozinho.
Lá no fantástico mundo da solidão acompanhada, a gente se engana que está junto, mesmo que, no fundo de nossa companhia, a gente não saiba nada. São esses casais de risos individualizados, abastecidos por uma conexão, tão remota quanto o Wifi, que fazem o fenômeno sobrenatural de uma solidão acompanhada. É essa vida, eternamente conectada ao virtual e plugada no efêmero. É o fugaz espelhismo, que nos faz pares iguais, refletindo no outro projeções de nossa carência indecente e medíocre: estamos sós, a sós, com nós mesmos.
#DQ146 #espalheamorporaí <3