Trilha:
O que eu quero é o precipício. Não quero a queda, mas quero estar num posição onde ela seja iminente. Eu quero, ali de cima, olhar o mundo menor e ver meus problemas num horizonte diferente, distante e intangível. Eu quero ver de perto o amor e sentir o perigo. Eu quero que a paciência, de vez em sempre, dê-nos licença, e a gente se despeça das formalidades, por mero capricho. Eu quero ver a saudade. Eu quero que ela, sempre próxima, bata à porta, como um vizinho que mora ao lado e toque a campainha pra pedir, de qualquer coisa, um punhado. Eu quero a sorte de ser sem destino. Eu quero ainda ser seu amigo, mas quero mais a rima que me faz teu namorado.
Faz de conta que ainda é noite e fecha a cortina que esconde o Sol. Vai te enrolando em mim e esquecendo esse lençol. Toma. Toca. Sente. Não te assustes. É só meu peito batendo calmo como frevo. Põe minha testa a encostar na tua e sente o gosto quente das paixões febris. Mexe meu cabelo, pressiona a minha nuca e dança comigo o fluxo perfeito dos corpos que se pertencem. Volta a dormir, como um anjo que repousa sobre meu peito, a paz de quem não parece desse mundo.
De repente, o mundo lá fora nos chama. O despertador insiste, mas a gente persiste e se pega pensando em alguma forma de driblar esses compromissos. É que aqui, dentro dessa casa, eu já tenho tudo que preciso. Faz falta essa paz no mundo lá fora. E tu hás de fazer falta nas próximas horas. Mas a gente se despede, com um beijo demorado que promete, ainda que tacitamente, um até breve: nós vamos voltar.
#DQ128 #espalheamorpoaí