Trilha:
Eu deveria começar pedindo calma, mas você é do tipo que se irrita com pedido de calma e a mantém nos momentos mais absurdos. Eu sei que, nessas horas, a prudência é a última das prioridades. Tudo que a gente quer é machucar o outro pra se proteger ou usar o ataque, como forma de escudo. O mundo parece ter andado mais devagar, e você chegou ao final antes de mim. Eu devo estar pelo caminho, tropeçando e debatendo ainda com nossa antepenúltima briga. Aquela por causa do prato limpo na louça suja – ou essa foi a penúltima? – Sei lá. Nunca fui bom com datas mesmo.
Fique aqui, mesmo que a sua vontade seja só me esperar chegar, falar umas verdades, bater a porta e sair sem rumo. Afinal , qualquer lugar no mundo parece ser mais hóspito, parece ter mais vida do que aqui. Eu sei que você tem razão e que a gente tem resistido, por pura falta de coragem de terminar, por vergonha de admitir que caímos nas mesmas ciladas de relacionamentos passados. Eu sei que seus motivos ecoam dentro de você, como um címbalo que ressoa o tom da despedida, colocando aquela trilha sonora que faz a gente saber que o fim não está próximo. Ele já chegou.
Mas lembre-se de que é possível dizer mentiras só contando verdades. Porque é verdade que a gente vem mal, que a gente cambaleia e se desequilibra cada dia um pouco mais, sob a linha dos relacionamentos que estão por um fio. É verdade que a gente passeia pelo apartamento pequeno, evitando cruzar o olhar e começar uma conversa com o final já manjado. É verdade que o beijo é protocolo e que a gente conversa não por interesse, mas por educação. A única mentira dentro dessas verdades é que você, assim como eu, torce pra ler nas entrelinhas desse texto, um pedido de perdão, ainda que implícito, feito um acróstico justaposto. A verdade é que pediria se isso, de alguma forma, pudesse nos salvar.
#DQ109 #espalheamorporaí <3