Trilha:
Às vezes, eu me distraio e fico me lembrando de como éramos imprudentes e espontâneos. O quão natural era rir sem ter um motivo específico – só pelo fato de você estar ali. Lembro-me de como o tudo soprava ao nosso favor. De como a vida nos queria bem. De como a gente não tinha noção de quanta sorte a gente tinha por estar vivendo tudo aquilo. Eu me lembro da sua cara de sono e do quão gostoso era o timbre, ainda rouco de sua voz. Lembro-me de como a vida parecia fazer sentido com tão pouco. Lembro-me de como a gente não era refém da velocidade e efemeridade dos dias comuns, mas não nos negávamos à adrenalina que viagens não programadas nos traziam.
Estou ouvindo aquela canção, que tocou na primeira vez que a gente se fez juras insupríveis, com sussurros indizíveis, de frente para o mar. O mar, sempre o mar, foi testemunha de nossos melhores feitos e sinfonia de nossas maiores promessas. Nós éramos ligados ao mar. Você dizia que ele parecia com a gente, com essa paz barulhenta e essa calmaria imprudente, feito poema de Camões – um contentamento descontente.
Era fácil topar qualquer parada. Você e esse jeito de pedir o mundo, como se isso não me fosse custar nada. Nossa! Isso é terrivelmente irresistível, você sabe. A segurança que vinha do seu olhar chocava com minha incredulidade e quebrava qualquer dúvida que eu poderia ter. Mas a gente foi se perdendo na habitualidade do caminho. Na certeza da volta. Na rotina do amor. A gente podia ter se amado menos, se permitido menos. Ter feito saudade, não por birra, mas por necessidade. A gente devia ter escapado entre as frechas que abriram, enquanto nos fechamos em nosso mundo. Era óbvio que nós, amantes das jornadas, nos fartaríamos de nós mesmos em algum momento. Que você se perderia, ou melhor, se deixaria perder pelo caminho já conhecido. Eu entendo você. Não a culpo por isso. Eu mesmo já quis sumir por uns dias. Eu fui a ingenuidade dos amores eufóricos. E você, a displicência dos relacionamentos eternos.
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