Que o “amor é fogo que arde sem se ver” todo mundo já sabe. Mas isso, que era aparentemente um manifesto de um eu-lírico apaixonado, em algum momento cataclísmico, foi traduzido às avessas, e o significante perdeu todo o significado. Fogo que arde sem se ver era só uma forma metafórica, e não menos amena, de dizer que o amor arde, consome, ferve, transborda, transpira, até que um dia…
…alguém entendeu tudo errado e bradou alto que isso era apenas paixão. Amor é totalmente o contrário. Deixa isso de ‘ser fogo’ de mão. E, assim, deu-se a confusão. Inventaram um manual de conduta. Nele não pode se entregar rápido, senão é puta. Nem se pode amar demais, senão surta. Alguém disse que a mensagem deveria ser visualizada e ignorada, mesmo que a vontade de responder imediatamente, com um belo riso largo, seja evidenciada. Tem que se manter firme e fazer o “certo”. Dar gelo e não ficar tão perto. Afinal, quem corresponde por último é sempre o mais esperto. Chegamos a uma época em que, mesmo não querendo, se conhece novas pessoas, se aprecia novos risos e se esbarra em outras vidas, mas quem diria? Os corpos se fecharam, os dispostos se mudaram e os opostos… Ah, os opostos… esses se enclausuraram. Assim, o mundo se trancafiou na falsa segurança dos relacionamentos parciais. Está parcialmente amando, parcialmente vivendo e inteiramente se enganando − totalmente sofrendo. Deitam seus corpos desnudos sob a rede das relações preguiçosas. Balançam de um lado para outro suas aventuras monótonas.
Já ouvimos “não se apega, não” virar mantra. Vimos “lancinho” virar moda, ou melhor, dar onda. Vimos que “só sexo” não é traição e até pedidos repentinos de casamento virarem exceção. A gente ficou frouxo, com medo de se arriscar e riscamos, por sua vez, ser “UM POUCO MAIS FELIZ” da lista. Em troca de quê? Em troca de uma suposta maturidade emocional, que prega que não se pode ser nenhum pouco passional. Ou foi em troca de algumas noites a menos de choro, depois de uma possível separação? A gente trocou ‘tentar ser feliz de verdade’ por ‘relacionamentos pela metade’. E, sinceramente, não sei se somos meio felizes, ou ficamos mesmo foi pelo meio. Do caminho. Da vida. Alheios. Quando foi que ficou feio ser um apaixonado ridículo? Desses que armam uma jornada, por um simples pedido? Onde foi que jogamos as flores, cartas e até os mais constrangedores e, não menos, os amáveis apelidos? Onde foi, enfim, que trocamos o nosso direito de sermos ridículos?
#DQ100 #espalheamorporaí <3