Diante da grande tragédia do trânsito brasileiro que vitima cerca de 1.700 pessoas/dia, matando cerca de 200 pessoas/dia e deixando sequeladas outras 1.500/dia, torna-se imperioso colocar-se um ponto final nessa carnificina nas vias públicas, sejam elas federais, estaduais e municipais, palcos principais de circulação, parada, estacionamento, operação de carga e descarga de pessoas, veículos e animais, os chamados atores do trânsito. No Brasil, ao se implantar uma verdadeira “carrocracia”, se prioriza equivocadamente a gestão dos veículos automotores, em detrimento dos pedestres e ciclistas, se prioriza o “mover”, em detrimento do “acessar”.
A liberdade de ir e vir do cidadão expressa seu direito de locomoção, que é um direito fundamental de primeira geração, resultado do desdobramento do direito natural de liberdade que não pode ser restringido de forma arbitrária pelo Estado. É o que se vê no ir e vir do pedestre e do ciclista.
Por outro lado, o direito de dirigir um veículo é um direito iuris tantum, uma presunção relativa de direito. Somente pode gozar quem está devidamente autorizado pela autoridade administrativa do Estado mediante prova de capacidade e habilitação realizada no âmbito dos DETRAN e pela legislação vigente. Portanto, o direito de dirigir é um “direito de termo” e consequentemente um direito precário.
Dessa forma, depreende-se que o direito de dirigir veículo automotor, que é uma concessão dada pela autoridade estadual de trânsito por delegação do órgão federal que é o SENATRAN, não deveria ser priorizado e como tal pode ser cassado a qualquer momento por descumprimento das regras contidas no Código de Transito Brasileiro;
Para evitar o mal gerenciamento do trânsito, o legislador pátrio definiu acertadamente no CTB que o gestor deverá responder objetivamente pelos erros e omissões, ou seja, que é uma responsabilidade objetiva das autoridades e administradores do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, a oferta do transito em condições seguras para os pedestres, ciclistas, condutores e até para os animais, cabendo a cada integrante do SNT, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas necessárias para assegurar essa condição, além de garantir ações de prioridade em defesa da vida, da preservação da saúde e do meio-ambiente.
Tendo em vista que o SNT precisa de uma urgente remodelação e reconfiguração de sua narrativa dominante para poder cumprir seu mister, apresento à sociedade brasileira, à título de contribuição, o seguinte decálogo, para se obter um Trânsito Seguro, através do qual são explicitadas ações, diretrizes e obrigações de cada integrante do SNT:
- Caberá ao sistema parajudicial federal e estadual, representado pelo Conselho Nacional do Ministério Público -CNMP, Ministério Público estadual e Ministério Público Federal, um rigoroso exercício da fiscalização do necessário cumprimento do parágrafo 3º do art. 1º do CTB, através da criação de promotorias especializadas em trânsito em todos os estados da federação, para que seja efetivamente exigida a responsabilidade objetiva das autoridades de trânsito, por todo e qualquer dano causado aos cidadãos nas vias públicas, decorrentes de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito ao trânsito seguro. A inobservância desse artigo configura prevaricação e improbidade administrativa das autoridades de trânsito. Para apontar o verdadeiro responsável pelo acidente no trânsito que tenha causado prejuízo a terceiros ou ao patrimônio público, a autoridade de transito responsável pela via, deverá realizar laudo técnico assinado por engenheiro especializado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica –ART, conforme determina a Lei 5.194/66 para o correto diagnostico do acidente, e caso seja constatado que o evento se deu por erros de geometria, sinalização ou falta de fiscalização, o gestor além do dever de indenizar deverá apresentar Plano de Ação que impeça que novos acidentes acorram no mesmo local e nas mesmas condições.
- Caberá às autoridades de trânsito enquadrados como diretores do SENATRAN e DETRANs, responsabilidade pela habilitação dos condutores de veículos motorizados e a obrigação de observarem a responsabilidade objetiva (culpa in eligendo) por todo e qualquer acidente que decorra por imperícia, negligencia e imprudência dos condutores, de forma que possa haver um mecanismo de afastamento definitivo da concessão, bem como da reabilitação dos condutores envolvidos em acidentes.
- Caberá às autoridades de trânsito enquadradas como secretários municipais de transito, superintendentes e/ou diretores de departamentos de transito, superintendentes do DNIT e da PRF, responsáveis diretamente pela fiscalização e/ou manutenção das vias sob sua jurisdição, assumir a responsabilidade objetiva (culpa in vigilando) pelos acidentes ocorridos nas vias sob sua jurisdição por constatação de erro na geometria, sinalização vertical ou horizontal, má conservação do leito estradal ou condição imprópria de circulação de animais nas vias, de forma que apresente um Plano de Ação para correção emergencial do fator que levou ao acidente diagnosticado.
- Caberá aos governos estaduais, à luz da Lei 13.614/2018, criar autarquia especifica para promover o devido diagnostico e estabelecer planos de ações corretivos de cada acidente que ocorrer no território estadual.
- Caberá aos governos estaduais e distrital, implantarem no âmbito dos seus Conselho Estadual de Trânsito –CETRAN e CONTRANDIFE, uma base de dados estadual confiável e abrangente, cruzando todas as informações oriunda do sistema de saúde, segurança pública e DPVAT, para possibilitar um estudo técnico e cientifico das causas de acidentes e verificação dos avanços do combate as mortes no trânsito.
- Caberá à sociedade civil o desenvolvimento de um Código de Ética do Transitante, para definir posturas e ações de controle social e ações educativas ligadas ao setor de trânsito e mobilidade urbana.
- Caberá à sociedade religiosa a divulgação da doutrina cristã de civilidade, urbanismo, solidariedade e amor ao próximo como forma de diminuição da violência no trânsito
- Caberá aos cidadãos do trânsito o cumprimento rigoroso de suas obrigações legais e humanitárias, tendo em vista que o pedestre é a prioridade absoluta no trânsito
- Caberá a mídia utilizar espaço jornalístico para ampla divulgação de boas práticas no trânsito, fomentando e divulgando ações positivas e educativas
- Caberá às escolas do setor público e privado a adoção incondicional da disciplina do trânsito, fomentando um processo continuo de aprendizagem e respeito às boas praticas no trânsito.
Francisco de Assis Peres Soares
Coordenador do Observatório do Transito no Maranhão
Quem é o autor do Decálogo?
Francisco Soares, especialista em gestão e normatização de trânsito, especialista em psicologia de trânsito, passou por todos os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito- SNT :
1- É membro da Jari da Polícia Rodoviária Federal do Maranhão
2 – Foi representante do Conselho Federal de Engenharia junto ao Departamento Nacional de Trânsito- DENATRAN (1998)
3- Foi durante 10 anos membro do Conselho Estadual de Trânsito- CETRAN MA , quando chegou a ocupar a presidência interina e vários mandatos como vice-presidente (2008 a 2018)
4- Foi interventor do Departamento Estadual de Trânsito do Maranhão – DETRAN MA (2009)
5- Foi membro titular do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN representando o Ministério do Meio Ambiente (2018 a 2019)
6- Coordenador do programa de saúde pública: Observatório do trânsito no Maranhão (2016 a …)