Bumba meu boi, tesouro cultural

0comentário

Natalino Salgado Filho*

No lombo do meu boi
Tem um céu todo estrelado
Ferro em brasa não encosta
Meu boi é mimoso
Meu boi é mimado (Papete)

Natalino Salgado exalta, em novo artigo, a principal manifestação da cultura popular do Maranhão

No mês em que as fogueiras se acendem para aquecer os tambores de São Luís, as cores e o bailado do Bumba meu Boi voltam a encher de alegria os terreiros de nossa Ilha onde ocorrem as inúmeras formas de representação da lenda de Pai Francisco e Catirina. Música para nossos ouvidos: os sotaques da baixada, matraca, zabumba, costa-de-mão e orquestra ressoam em todos os cantos, acompanhados de devoção religiosa e um desfile magistral de nosso legítimo artesanato nas roupas e adereços dos brincantes e no couro do boi.

E é nesse clima junino que aplaudo a iniciativa da presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Kátia Bogéa que, em abril deste ano, fez chegar às mãos da diretora do Departamento de Cultura do Itamaraty, ministra Paula Alves de Souza, o dossiê de candidatura do Complexo Cultural do bumba meu boi a Patrimônio da Humanidade, para ser enviado à sede da Unesco, na capital francesa. Em Paris, haverá a avaliação no ano que vem da candidatura pelo Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial.  Trata-se de mais uma conquista, vez que o Bumba meu Boi já é registrado desde 2011 como Patrimônio Cultural do Brasil, no Livro de Registro de Celebrações.

O auto do Bumba meu Boi é, de fato, um tesouro cultural. Nele, a encenação de vida e morte, de amor e de fé traduz um pouco de cada um de nós. O vaqueiro Pai Francisco é um homem de hábitos simples e vive numa fazenda com sua mulher Catirina. Esta, grávida, deseja comer a língua do boi mais amado do amo de ambos. Esse pedido inesperado atormenta o empregado tão dedicado ao seu senhor. Mas como recusar atender a vontade da mulher? Pai Francisco cede, não sem ser atormentado pela culpa e pelo medo.

Perseguido pelo amo, que descobre insidiosa traição, Pai Francisco se embrenha na mata. Desesperado com a morte do animal querido e valorizado, pelo qual não tem a mínima condição de reparar o mal feito,  invoca, com auxílio dos índios, a intervenção dos cazumbás, espíritos, que habitam a floresta, para que o livrem da enrascada. Solidários com o sofrimento do pobre homem, os seres trazem o boi à vida e a perseguição encenada pelo dono da fazenda e seus vaqueiros logo cessa. O que era tristeza e lamento se transforma em folguedo. Índios, cazumbás, vaqueiros, Pai Francisco, Catirina e o fazendeiro celebram, maravilhados, aquela reviravolta milagrosa.

Fernando Pessoa disse que a arte existe porque a vida não basta. Assim como diversos mitos gregos, a lenda do Bumba meu Boi traduz em espetáculo o drama vivido por um homem que, em nome de seu amor, arriscou a própria vida. A história atravessou gerações e serviu de inspiração para o cancioneiro maranhense, legando verdadeira poesia. O que dizer de “Bela Mocidade”, do Boi de Axixá; “Se não existisse o sol” do Boi da Maioba? Os maranhenses já as conhecem desde cedo e não se cansam de ouvir as belas toadas.

Espero que o Comitê da Unesco reconheça a riqueza de nossa cultura para que o mundo possa dispor de tão diversificado patrimônio. Esta e as futuras gerações agradecem.

*Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

Sem comentário para "Bumba meu boi, tesouro cultural"


deixe seu comentário

Twitter Facebook RSS