A democracia nunca está garantida

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Por Marlon Botão, líder e militante político há mais de 40 anos

O líder e militante político Marlon Botão ressalta que a democracia precisa ser protegida, cultivada e fortalecida todos os dias

Em março de 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney, o Brasil deixava para trás um dos períodos mais obscuros de sua história, pondo fim a uma violenta ditadura militar que, entre outras arbitrariedades, fechou o Congresso, cassou mandatos, perseguiu opositores, institucionalizou a censura e transformou tortura e assassinatos em políticas de Estado. A ditadura iniciada com o golpe militar de 1964 teve apoio de importantes setores da sociedade civil, enriqueceu muita gente ao mesmo tempo em que condenava o País a um retrocesso econômico, e demorou 21 anos para cair – de podre.

Quarenta anos depois, a redemocratização deveria ser motivo de celebração nacional. Uma data simbólica, para exaltarmos a liberdade, o Estado de Direito, o respeito às diferenças e a construção contínua de uma sociedade mais justa. No entanto, os últimos anos impõem à data um caráter muito mais reflexivo do que comemorativo.

Em 8 de janeiro de 2023, assistimos, estarrecidos, a uma tentativa de golpe de Estado. Uma turba, movida por ódio, desinformação e intolerância, invadiu e depredou os principais símbolos dos Três Poderes da República. Atacou não apenas prédios públicos, mas o próprio pacto civilizatório que sustenta nossa convivência. Foi um ataque direto à Constituição, à vontade popular expressa nas urnas e à democracia brasileira, ainda jovem, ainda em consolidação.

Esse episódio acendeu um alerta que não pode ser ignorado: a democracia nunca está garantida. Ela precisa ser protegida, cultivada e fortalecida todos os dias — nas instituições, nas ruas, nas redes sociais, nas escolas, nas famílias. E essa defesa começa pela consciência coletiva de que a liberdade individual é inegociável. É a partir dela que conseguimos viver de forma harmônica em sociedade, respeitando as diferentes vozes, crenças, orientações, ideias e trajetórias.

Tudo aquilo que carrega cheiro de repressão, ódio e divisionismo precisa ser reconhecido como o que de fato é: abominável. É preciso rejeitar com firmeza o discurso autoritário que tenta se camuflar de patriotismo. Não há patriotismo verdadeiro sem democracia. Não há progresso possível onde há censura, perseguição e silenciamento.

Apesar de todas as suas imperfeições, é na democracia que temos voz, voto e vez. É nela que podemos debater, discordar e construir caminhos em comum, sem que o diferente seja tratado como inimigo.

Sou militante político há mais de quarente anos, senti na pele as agruras do autoritarismo. Faço parte da geração que foi às ruas, apesar de toda a repressão militar, para reconquistar a nossa democracia. A nossa luta, hoje, deve ser para preservá-la. Para que nossos filhos, netos e todas as gerações subsequentes à nossa existência, possam ter a liberdade de viver, de pensar, de ser.

Para que tenham liberdade, enfim.

Neste marco de 40 anos, que possamos olhar para trás com gratidão por quem lutou pela redemocratização, mas, sobretudo, olhar para frente com o compromisso de proteger a nossa ainda tão jovem – e frágil – democracia. Sempre.

Não há espaço para retrocessos. Defender a democracia é, acima de tudo, defender a possibilidade de um Brasil melhor — para todas e todos.

Ditadura nunca mais!

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