A cidade parou (de novo). E agora, prefeito Braide?
Por Marlon Botão*

No momento em que escrevo este artigo, dia 17 de fevereiro de 2025, São Luís atravessa mais uma greve do transporte rodoviário. Sem acordo entre trabalhadores e empresários, a cidade amanheceu sem ônibus – afetando as mais de 700 mil pessoas que dependem desse meio de transporte diariamente. Por causa da paralisação, o comércio foi afetado, as escolas encerraram as aulas mais cedo e muita gente precisou recorrer a caronas ou a carros de aplicativo para chegar ao trabalho.
Para quem vive em São Luís, a sensação é de um perpétuo déjà vu. De que já vimos esse filme antes. O roteiro é tão batido, aliás, que já virou chacota. Pelas redes sociais, um usuário do transporte público comentou que a greve dos rodoviários já faz parte do calendário da capital, e que deveria ser alçada a feriado como a ‘Semana da Greve dos Ônibus de São Luís’. E concluiu: “No fim da ‘greve’, aumentam a passagem e os ônibus continuam sucateados.”
Para além do tom irônico, o comentário – e centenas de outros semelhantes que inundaram as redes sociais desde o primeiro anúncio de possível paralisação – expõe algo que todos os ocupantes da prefeitura de São Luís ignoram há décadas: o nosso sistema de transporte público, baseado em um único modal, é defasado, ineficiente e caro. Em outras palavras, é um sistema que não atende a população com qualidade e ainda cobra caro por isso (os mais de R$ 100 milhões de subsídio concedidos ao setor nos últimos anos não alteraram em um centímetro essa realidade).
A população que utiliza os ônibus diariamente já está careca de saber desse fato, e tem demonstrado cada vez mais insatisfação, não só com a precariedade do serviço, mas também com as constantes greves. Talvez por isso o prefeito Eduardo Braide, que se manteve calado durante boa parte do mais recente imbróglio do sistema, tenha finalmente se manifestado.
Em vídeo publicado nas redes sociais, Braide afirma que a greve não é dos rodoviários, mas sim dos empresários, como forma de pressionar o município por mais subsídios e forçar um novo aumento de passagem – que desta vez poderia chegar a inacreditáveis sete reais. O prefeito também cita medidas mirabolantes para contornar o problema (como pagar o Uber de 700 mil usuários do transporte público enquanto durar a greve), e informa que enviará à Câmara Municipal um projeto de lei para autorizar uma nova licitação para o sistema de transporte público de São Luís.
O prefeito age como se – tendo sido pego desprevenido – estivesse dando uma resposta rápida a um problema novo. Ocorre que os problemas do sistema de transporte público de São Luís são velhos conhecidos de todos nós, largamente denunciados na Câmara Municipal, na imprensa e nas redes sociais. E me custa acreditar que só agora, depois de quatro anos à frente da Prefeitura de São Luís, Braide tenha se dado conta de que a situação é insustentável.
A situação já era insustentável na década de 1970, quando, ainda líder do movimento estudantil, participei da greve da meia passagem, iniciativa que sofreu forte repressão policial e, mesmo assim, garantiu esse direito fundamental a todos os estudantes de São Luís. A situação já era insustentável na década de 1980, quando fiz parte do movimento popular de transporte que acabou com o oligopólio que havia no sistema, permitindo a entrada de mais empresas no setor e diversificando as linhas. E a situação também já era insustentável no início do ano passado, durante outra greve dos rodoviários, quando o prefeito concedeu mais um subsídio milionário aos empresários do setor para acabar com aquela paralisação.
De toda forma, apesar de tardia, considero positiva a atitude do prefeito, ainda que ele não tenha tocado no cerne da questão. Aqui mesmo, neste espaço, defendemos de forma reiterada a necessidade de reestruturação do sistema de transporte público de São Luís, com a criação de novos modais de transporte, a regularização do transporte alternativo (carrinhos e vans) para gerar empregos e desafogar o sistema, além da criação de mecanismos de controle de qualidade do serviço – que, afinal, é público.
É inimaginável que uma capital do porte de São Luís, e com toda a importância que carrega, ofereça apenas um meio de transporte para a sua população e para os turistas que a visitam. O encerramento da greve dos rodoviários, que pode acontecer amanhã ou daqui a uma semana, não vai acabar com os problemas do nosso sistema de transporte, não vai acabar com os ônibus sucateados e superlotados, com a grande espera nas paradas e com os congestionamentos cada vez maiores na cidade. Esses problemas precisam ser enfrentados com ações concretas do Executivo.
As medidas paliativas anunciadas pelo prefeito para acabar com a mais recente greve dos rodoviários também precisam ser acompanhadas de proposições efetivas, envolvendo o Executivo, o Legislativo e a sociedade civil – que é a mais impactada pelo atual descompasso do sistema de transporte de São Luís.
Que a greve atual, e a insatisfação cada vez mais estridente da população que o reelegeu com mais de 70% dos votos válidos, mostre ao prefeito Eduardo Braide a importância do diálogo com a Câmara Municipal, que pede há anos a reestruturação do sistema, na construção de uma solução definitiva para o transporte público de São Luís. Do contrário, uma próxima greve será mera questão de tempo – ainda que dela façam chacota.
*Líder e militante político há mais de 40 anos
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