Por Marlon Botão*
O melhor São João do mundo é feito em São Luís. Nenhuma outra cidade possui tantas (e tão singulares) manifestações culturais no período junino. Esse reconhecimento, no entanto, ainda parece restrito aos limites do nosso estado e não se converteu em ganhos reais para os bravos fazedores de cultura – que são responsáveis por manter vivas as nossas tradições. Apesar de ser a única cidade brasileira que faz uma festa que vai além das quadrilhas juninas e do forró (tão típicos do período), São Luís não está entre os principais destinos procurados por turistas no São João, que acabam mais atraídos por cidades como Campina Grande (PB) e Caruaru (CE).
Nos últimos anos, prefeitura e governo vêm tentando contornar esse problema com a promoção de shows gratuitos de artistas consagrados nacionalmente – mas que nada têm a ver com a cultura local ou até mesmo junina –, numa espécie de queda de braço para ver quem faz “o melhor São João”. E aqui é válido destacar: nesse contexto, o melhor São João – ou o melhor Carnaval – é aquele que atrai mais gente. Peço licença ao prefeito Eduardo Braide e ao nosso governador Carlos Brandão para, respeitosamente, discordar desse ponto de vista.
É óbvio: eventos que arrastam multidões são importantes porque fomentam o comércio local. Vendedores de bebidas e de alimentos conseguem uma renda extra, a rede hoteleira é ocupada etc. Ocorre que, sem uma política continuada de fomento à cultura local, esses serão benefícios efêmeros – que não contribuirão para o desenvolvimento da cidade e da população a longo prazo.
A real força do São João do Maranhão, de São Luís, está na nossa imensa diversidade cultural, nas nossas tradições. Está no Bumba meu boi – e em todos os seus sotaques -, no Cacuriá; no Tambor de Crioula, nas danças Portuguesa, do Caroço, Lelê e do Coco; está nas nossas Quadrilhas Juninas. Está, enfim, no nosso povo e na nossa gente.
E só investindo nas nossas manifestações, em toda a cadeia produtiva que envolve o São João do Maranhão, será possível consolidar de fato dois dos principais arranjos produtivos da nossa capital, que têm impacto ambiental quase nulo e enorme potencial de geração de emprego e renda: a cultura e o turismo.
Mas, antes de prosseguir com o raciocínio, é preciso esclarecer que não sou contra a promoção de shows com artistas nacionais – seja no Carnaval ou no São João. Como disse acima, esses shows atraem muita gente e ajudam a movimentar – mesmo que de forma breve – a economia local, e isso não pode ser ignorado.
Não defendo o fim desse tipo de evento, até porque, em muitos casos, no contexto de desigualdade social em que tantas famílias ainda estão inseridas, eles são a única oportunidade que muitos maranhenses têm de ver shows desses artistas nacionais. O ponto aqui é outro: o sucesso do nosso carnaval e do nosso São João não pode depender, assim como nunca dependeu, de shows de artistas de fora – que, além de não terem qualquer identidade com a nossa cultura junina, cobram cachês cada vez mais elevados, que não movimentam a nossa economia e nem contribuem para a geração de emprego em São Luís.
O ideal é que exista, e digo isso com a experiência de quem teve a honra de estar à frente da Secretaria Municipal de Cultura de São Luís por quase oito anos, equilíbrio entre atrações locais e nacionais. O investimento contínuo nos nossos talentos é fundamental – e essa foi uma das principais lições que tive como secretário de Cultura de São Luís.
Quando o foco é apenas no evento pelo evento, quando a ideia de “sucesso” só é medida pela quantidade de pessoas reunidas num mesmo espaço, a gente corre o risco de perder a nossa identidade, aquilo que nos define, e de negligenciar as nossas tradições, as manifestações culturais que fazem de São Luís uma das mais belas e únicas cidades do país.
O São João do Maranhão, de São Luís, não é só mais um evento. Ele é a maior manifestação cultural do nosso povo; essas raízes devem ser preservadas e fortalecidas com a criação de políticas públicas de incentivo contínuo aos nossos fazedores de cultura, às nossas brincadeiras. Se fizermos isso, São Luís será uma cidade muito mais atrativa não só para quem mora aqui, mas também para quem é de fora – aquecendo a economia e ampliando a geração de emprego e renda.
O melhor São João, para mim, é o que empodera o nosso povo, é o que cria oportunidades e condições para que as famílias de São Luís tenham emprego e renda. O melhor São João é o que pode até promover shows de artistas de fora, mas que fortalece em primeiro lugar as nossas manifestações culturais, os artistas responsáveis por dar vida às nossas brincadeiras, os coreógrafos, as bordadeiras, os compositores, os músicos, os cantores, os brincantes que enfrentam uma verdadeira maratona nos arraiais do estado, dançando cinco, seis vezes numa mesma noite. O melhor São João é o que tem grandes arraiais no Centro, mas que também possui ótimos arraiais nos bairros – democratizando ainda mais a nossa maior festa popular.
Eis o que eu queria dizer: precisamos construir políticas públicas culturais contínuas, promover leis de incentivo à cultura, para garantir que o poder público, independentemente de coloração partidária ou de quem ocupe o Executivo, preserve e fortaleça a nossa identidade. É preciso assegurar que os nossos fazedores de cultura tenham condições de manter vivas as nossas tradições, porque, além de tudo, e pela sua singularidade, elas têm um enorme potencial de transformar São Luís em um destino turístico obrigatório não só no São João e no Carnaval, mas o ano inteiro – o que vai garantir o desenvolvimento sustentável da nossa cidade e da nossa gente.
Se houver investimento, São Luís tem capacidade de produzir cultura – e renda – o ano inteiro. Com tão diversas expressões artísticas, podemos incentivar mostras culturais itinerantes, levando para dentro das comunidades exposições sobre a história de cada sotaque do Bumba meu boi, do Cacuriá etc.; criar oficinas de bordado, para que as pessoas aprendam um ofício e possam ter renda o ano inteiro com a confecção de indumentárias; além de oficinas de dança, canto e música para descobrir e aperfeiçoar novos talentos que serão remunerados pelos nossos grupos culturais.
No audiovisual, podemos criar editais específicos para o registro histórico das nossas manifestações, com o lançamento de filmes e documentários contando a história de figuras fundamentais da nossa cultura, como Humberto de Maracanã, Chiador, João do Vale, Dona Teté; mostrando, também, cada uma das etapas de uma brincadeira, da sua concepção, passando pelos ensaios, os bordados, a criação das coreografias, até o espetáculo pronto. São iniciativas que podem ser tocadas o ano inteiro, promovendo a nossa cultura ao mesmo tempo em que geram emprego e renda.
Além do incentivo público, e dos editais, podemos buscar parcerias com a iniciativa privada para promover a nossa cultura o ano inteiro – para que o turista que vem a São Luís em abril, por exemplo, também possa conhecer as nossas manifestações culturais por meio de exposições permanentes em centros culturais, nas sedes e barracões das nossa brincadeiras.
E esse é outro ponto importante: os nossos grupos, mesmo os quase centenários, passam por tantas dificuldades que quase nenhum deles possui sede própria. Precisamos mudar essa realidade, porque esses equipamentos têm grande potencial de gerar renda não só para os responsáveis por essas brincadeiras, mas também para as famílias dessas comunidades em que estão inseridas, com a promoção de eventos, ensaios itinerantes, oficinas e exposições o ano inteiro.
Precisamos incentivar os ensaios itinerantes, levando as brincadeiras para dentro das comunidades de São Luís, promovendo a divulgação, integração e democratização da nossa cultura, o que certamente também fortalecerá a nossa economia em mais períodos do ano.
Investir no que é nosso não é um favor aos fazedores de cultura, pelo contrário: é um investimento em quem dá vida à nossa maior manifestação cultural. Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que cada R$ 1 investido em cultura gera um retorno de R$ 1,59 para a economia.
Isso significa, em termos que os nem tão afeitos à cultura também possam entender – que não investir na nossa cultura, além de tudo, é um péssimo negócio.
*Ex-secretário de Cultura de São Luís e líder político.