Francisco de Assis Peres Soares*
No início do séc. XIX, era quase proibitivo pensar em ferrovias no Brasil. Não havia fabricação de trilhos, locomotivas e sequer havia carvão mineral. Somente em 1828, com a Lei Jose Clemente, é que se permitiu que a iniciativa privada executasse obras de infraestrutura. Em 1835, o Decreto Feijó autorizou a concessão de ferrovias ao setor privado. Em 1852, a Lei de Garantia de Juros estabeleceu condições favoráveis para importação de produtos e insumos ferroviários. Em 1854, foi inaugurada a estrada de ferro Mauá, conectando o porto no fundo da Baía da Guanabara à cidade de Petrópolis (RJ). Em 1858, veio a ferrovia brasileira que ligava Recife ao Rio São Francisco. No início do séc XX, a malha ferroviária possuía 15 mil quilômetros. Em 1920, ao final do ciclo das locomotivas a vapor, chegou-se a quase 30 mil km.
Em 1930, houve uma intensa competição por dinheiro público entre rodovias e ferrovias, sendo que o Governo Vargas pendeu para o lado rodoviário. Os investimentos nas ferrovias sumiram e com a crise da bolsa de Nova, em 1929, e a 2ª Guerra Mundial, o capital privado também sumiu, forçando o estado a assumir o controle das ferrovias. Em 1957, foi criada a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), voltada para a integração da rede ferroviária federal. Em 1960, havia quase 40 mil quilômetros de ferrovias. No Governo de JK consolidou-se o processo de desmobilização dos caminhos ferroviários e amplo fomento à indústria automobilística. Em 1972, foi criada a VALUEC Serviços Técnicos Ltda. (atual VALEC), uma associação entre a Vale Rio Doce Engenharia e Planejamento S/A – RDEP, e a USS Engineers and Consultants INC.
Com a crise do petróleo, em 1979, a gestão ferroviária tornou-se inviável. A CF 88 inseriu mudanças na forma de exploração do setor, atribuindo competências para a União na exploração direta ou mediante autorização, concessão ou permissão dos serviços de transporte ferroviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais ou trechos entre estados. Depois da privatização da RFFSA, veio, em 1995, a maior rodada de leilões ferroviários do Brasil. Em 2001, foi criada a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), com o objetivo de regular os serviços. Em 2007, o Governo Federal privatizou o tramo Norte da Ferrovia Norte-Sul (Açailândia – MA a Porto Nacional – TO) para Vale S.A., que criou a Ferrovia Norte-Sul S.A. (FNS S.A.). Em seguida, reestruturou a Valec, conferindo-lhe a outorga de quatro estradas de ferro: EF-267 (Ferrovia do Pantanal); EF-334 (Ferrovia de Integração Oeste-Leste – Fiol); EF-354 (Ferrovia de Integração Centro-Oeste – Fico) e EF-151 (Ferrovia Norte-Sul – FNS).
Em 2017, com a Lei nº 13.448 permitiu-se a antecipação de renovação de contratos, melhorando a segurança jurídica e retomando-se os investimentos privados. As subconcessões voltaram a ser prioridade. Em 2019, ocorre a subconcessão para Rumo SA do Tramo Central e Extensão Sul da Ferrovia Norte-Sul, de Nacional (TO) a Estrela d´Oeste (SP). Em 2021, acontece a da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), entre e Ilhéus (BA) e Caetité (BA).
Em 2020, faz-se a renovação antecipada de contrato na Malha Paulista, firmada com a Rumo Malha Paulista S.A. Em seguida, é feita a primeira renovação antecipada com investimento cruzado, relativa ao Contrato de Concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas, firmada com a Vale S.A. incluindo-se nesse pacote a construção da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste e a segunda etapa da Fiol. Em 2021, foi publicada a Lei nº 14.273, dispondo sobre a organização do transporte ferroviário, o uso da infraestrutura ferroviária, os tipos de outorga para a exploração indireta de ferrovias em território nacional e as operações urbanísticas a elas associadas. O capítulo V dessa lei trata “das ferrovias exploradas em regime privado” e permite que qualquer operadora requeira a autorização para a exploração de ferrovias. O § 6º do art. 25 diz que “Cumpridas as exigências legais, nenhuma autorização deve ser negada, exceto por incompatibilidade com a política nacional de transporte ferroviário ou por motivo técnico-operacional relevante, devidamente justificado”.
Com isso, parece que agora o Brasil voltou aos trilhos do desenvolvimento no modal ferroviário, buscando um maior equilíbrio na sua matriz de transportes. Há recursos privados oriundo das renovações antecipadas dos diversos contratos de concessão. As autorizações ferroviárias aumentam a possibilidade do fortalecimento de micro e pequenas regiões por conta do modal ferroviário.
As ferrovias ociosas, que estavam em processo de desativação e devolução, podem ser novamente exploradas em processos simplificados de autorização. Diante desse quadro evolutivo, o Ministério da Infraestrutura (Minfra) vislumbra que há interesse do setor de aço na reativação da produção de trilhos no país. Hoje, todo o consumo nacional é abastecido pelo mercado externo. Segundo o Minfra, já haveria uma demanda interna firme de quase 13 mil quilômetros, capaz de justificar o alto investimento em plantas de fabricação. Fala-se de outros 21 mil quilômetros de extensão, e, pelo menos, outras 100 mil toneladas para manutenção dos trechos.
A Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária) avalia que a produção de trilhos ferroviários no Brasil será uma tarefa de elevado desafio. No cenário vigente, estima-se que o país teria uma necessidade de 200 mil toneladas de trilho/ano, em média, para os próximos 10 anos de novos investimentos. O setor siderúrgico, por sua vez, faz uma análise mais conservadora e defende que para viabilizar uma planta de trilhos ela precisaria produzir entre 400 a 450 mil toneladas/ano. Assim, para ter uma planta, o país teria de garantir uma demanda adicional, vinda do novo modelo de autorizações ferroviárias, capaz de ampliar essa quantidade para se chegar o mais perto possível do que a indústria considera uma demanda mínima que justifique a produção aqui.
Outro fator que dificulta o sonho brasileiro é que não há muita demanda por trilho em nossa vizinhança na América Latina. Portanto, é preciso exportar com muita eficiência. Além disso, a indústria ferroviária ainda apresenta forte ociosidade, na casa dos 80%, para a produção de vagões. Em 2021, só houve pedido de 1,8 mil vagões. Para 2023, o volume de produção deverá ficar em torno 1.500 vagões/ano. Dito isso, e considerando o forte potencial e competitividade do Porto do Itaqui, além do polo siderúrgico em Açailândia, seria muito interessante que o Governo do Maranhão encetasse esforços no sentido de brigar para trazer essa planta para o Maranhão, considerando-se principalmente a construção do trecho de 520 quilômetros da EF -317, que ligará o município de Açailândia ao Porto de Alcântara- TPA e ainda interligará a FNS e a EFC, pela empresa Grão-Pará-Multimodal.
*É engenheiro eletricista, especializado em gestão e normatização de transito e transporte, foi presidente da Agencia Reguladora de Serviços Públicos do MA e Secretário Adjunto de Gestão de Transporte do Estado do MA. Coordenou o Plano Maranhense de Logística em Transporte PMLT/PNLT
Parabéns pelo texto! Ótima observação sobre a EF-317. Penso que, tal qual a apresentação do Engº Urubatan Tupinambá no Simpósio Internacional de Logística há duas semanas, seja necessário um Plano Estratégico Ferroviário no Maranhão para fomentar as ferrovias além do Plano Estadual de Logística de Transportes no Maranhão usando base georeferenciada federal para análise multicriterial e vislumbrando projetos e obras estratégicas para o Maranhão.