Por Roberto Veloso*
É consenso que a corrupção é o grande mal do Brasil. Segundo dados da ONU, são desviados 200 bilhões de reais de dinheiro público por ano, uma verdadeira afronta em um país com índices alarmantes de pobreza e de exclusão. O dinheiro do povo sai literalmente pelo ralo pelos dilapidadores das verbas públicas.
Apesar de todo o esforço da Lava Jato, ainda há muito a ser investigado, denunciado e julgado. É que os denunciados na operação até o momento são acusados de terem desviado cerca de 10 bilhões de reais, o que representa 5% (cinco por cento) da corrupção anual brasileira, conforme estudo da Organização das Nações Unidas.
Não por outra razão, ouvimos falar em estancar a sangria da operação, dando a impressão de ser impossível a continuidade das investigações. Alguns defendem que se deve varrer a sujeira para baixo do tapete e começar tudo novamente. Por incrível e ridículo que possa parecer, ouvem-se vozes defendendo “quem roubou, roubou, daqui para frente não rouba mais.”
Na Itália, durante a operação Mãos Limpas, houve a adoção de medidas semelhantes às tomadas recentemente no Brasil. Entre elas, a criminalização da atividade cotidiana das autoridades responsáveis pela apuração e julgamento dos crimes de corrupção. A tentativa é punir o juiz por julgar, o promotor por denunciar e a polícia por executar a prisão e investigar. Um verdadeiro contrassenso em um país onde a impunidade de crimes graves campeia.
Antonio Di Prieto, magistrado italiano responsável pela operação, foi acionado judicial e administrativamente de tal sorte que não teve paz para continuar as investigações. Infelizmente, hoje a Itália convive com índices de corrupção parecidos com os da época anterior à operação Mãos Limpas.
Entre nós, no recente projeto do abuso de autoridade aprovado pelo Congresso Nacional ainda persiste o crime de interpretação, ao punir criminalmente o juiz que decretar a prisão de alguém se o Tribunal a revogar. Também cometerá crime se não mandar soltar o preso imediatamente e assim for reconhecido pelo Tribunal em grau de recurso.
A prevalecer esse entendimento, todas as vezes que o Tribunal conceder Habeas Corpus a algum preso, o juiz estará cometendo crime. É uma inversão das posições dos protagonistas de um processo. O juiz passa a ser réu, e este passa a ser o acusador. Caso não haja veto do artigo nono do referido projeto de lei, será exigir muito do magistrado a autorização de qualquer operação, em um enorme favorecimento aos criminosos.
Essa possibilidade é concreta porque se o Ministério Público não se manifestar no prazo legal, o réu poderá exercer o direito de propor a ação penal. Isso gerará uma disfunção dentro do processo penal porque entrega os atos da magistratura à análise do Ministério Público.
Não se sustenta a alegação de que o Judiciário é quem julgará seus membros nos casos de abuso de autoridade. Essa afirmação teria valor em caso do crime ser de abuso, não de interpretação. Tirar a paz do juiz criminal não se justifica em um Estado que se quer afirmar de Direito.
Da mesma maneira, é preocupante transformar a atividade policial de algemar um preso em crime. A análise dessa situação é instantânea, no calor dos acontecimentos, não sendo plausível que se queira punir o policial por uma situação igual a essa, totalmente diferente de torturar alguém para obter uma confissão judicial.
Apurar, denunciar e julgar crimes, em especial de corrupção, são atividades cotidianas de delegados, promotores e juízes e não podem e nem devem ser criminalizadas. O veto é uma necessidade para quem deseja evitar tanta impunidade.
Ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE
@robertoveloso_