Natalino Salgado Filho*
Dados divulgados esta semana pelo Ministério da Saúde revelam que 154 pessoas já morreram em nosso país, desde julho do ano passado, das 464 que foram diagnosticadas com a febre amarela. Nesse período, foram recebidos poucos mais de 1600 notificações, das quais 478 foram investigadas e 684 casos foram descartados. Os números são alarmantes e em razão deles, o Ministério da Saúde revelou, também nesta semana, que tenciona estender a vacinação contra a doença para todo o país, medida que deverá ser ponderada em julho, quando se encerra o ciclo da doença já diagnosticada. A ideia é fazer com que as campanhas de combate à febre amarela deverão ocorrer todos os anos no Brasil. Números oficiais do Ministério constatam que, desde a década de 40, o país tem 80 a 90 casos da doença na região da Amazônia. A meta é imunizar 23,9 milhões de pessoas.
É espantoso que uma doença como a febre amarela recrudesça e cause tamanho problema. As razões da presente epidemia são diversas e ainda de todo não destrinchadas. É como se tivéssemos voltado no tempo, à primeira década do século XX, quando a doença grassava no Rio de Janeiro, então capital da República. Naquele momento, a varíola e a peste bubônica colhiam sua cesta de mortos numa situação de absoluta precariedade na assistência e no saneamento da capital federal. O jovem médico Oswaldo Cruz empreendeu uma luta titânica no enfrentamento do desafio, contra a vacinação e medidas saneadoras, quando teve que usar as próprias forças armadas, pois recebeu uma brutal oposição de políticos, a população manipulada e quase toda a imprensa que o retratava com caricaturas as mais depreciativas e entre elas, como o cavaleiro da triste figura, D. Quixote.
A bem da verdade, não temos a mesma resistência à vacinação como naquele momento da história sanitária brasileira, não de forma generalizada; outras questões preocupam, inclusive com conotações ecológicas com a caça e a morte implacável de macacos. O principal mosquito (Haemagogus janthinomys) transmissor do vírus tem hábitos silvestres e o principal foco dele são os símios. A espécie humana é secundária em seus hábitos de alimentação. Parece evidente que a morte dos animais, que funciona como uma barreira, terá como resultado a especialização do mosquito em pessoas para se alimentar.
Volta à ordem do dia o questionamento da própria vacinação com a divulgação de algumas mortes por reações que são conhecidas da medicina há muito tempo, mas muito raras. A vacina é segura, mas algumas pessoas podem ter uma reação aguda, uma em cada 450 mil vacinados. Vários postos de vacinação em São Paulo tiveram um grande afluxo de pessoas, mas, devido a notícia de três falecimentos, a população está deixando de realiza a imunização. A questão é delicada e pede mais esclarecimento da população, a fim de que informações descontextualizadas possam causar um dano ainda maior com pessoas expostas ao problema, porém sem proteção.
De qualquer modo, o governo pretende imunizar pouco mais de 23 milhões de pessoas e manterá, por período ainda não definido, uma campanha anual contra a febre amarela. Tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) tem destacado a rápida resposta do sistema de saúde brasileiro, além do tamanho da operação envolvida, inclusive com a vantagem de que fabricamos aqui mesmo a vacina. A OMS registra que cerca de 60 mil pessoas morrem anualmente. A doença é endêmica em 47 países: 34 localizados na África, que concentra o maior número de mortes e 13, nas Américas Central e do Sul.
Este novo desafio no Brasil prova que a vigilância permanente contra estas e outras doenças devem ser mantidas com tenacidade. Agora mesmo, com o afluxo de venezuelanos migrando para o Brasil, uma doença aqui erradicada em 2016, retoma as nossas fronteiras com crianças que chegaram contaminadas. Uma vacinação em massa dos imigrantes foi determinada pelas autoridades de saúde. Como vimos, o alerta deve ser permanente.
*Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA