Em Atins (MA), o melhor camarão do mundo está ameaçado

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Do Blog Dramas do Sucesso

atins

Mês passado eu visitei, pela segunda vez, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Antes de ir, ouvi falar de uma tal Luzia, conhecida por fazer o “melhor camarão do mundo”. A senhora bem articulada, de fala mansa, que começou a cozinhar na infância para ajudar os pais, tem há 17 anos um restaurante no chamado Canto de Atins, um local isolado do vilarejo de pouco mais de 1,5 mil habitantes. Tão isolado que, para chegar até lá, só por uma longa caminhada, cavalo, helicóptero ou quadriciclo.

Eu e meu grupo optamos por caminhar. Foram quase 3 horas de trilha pela praia, campo e até mangues, mas soube depois que tem gente que faz em menos tempo. É que além de pararmos para contemplar o mar, que nos saudou com uma cor azul-turquesa exuberante, também nos perdemos em diversos pontos. Tudo que nos restou foi pedir informação para os poucos moradores de casas isoladas e arriscar os inúmeros atalhos que encontrávamos pela frente – além de mangues, passamos por um longo pasto. No fim das contas, e com sede e a fome dos campeões, avistamos o Restaurante da Luzia.

O local é simples, mas aconchegante. Estava tão vazio que questionei se ainda servia comida. Eram 15h e Luzia e o marido nos receberam de braços abertos. Ela, especialmente, cozinhou para o nosso grupo e, depois da belíssima refeição, sentou à mesa com a gente. Luzia nos contou um pouquinho da sua história e dos problemas que rodeiam a região, nada do que a gente já não tivesse percebido antes. Em linhas gerais, soube por ela que o melhor camarão do mundo está ameaçado. Entenda porquê logo abaixo em “Reféns do negócio”.

Animados, pedimos todos os pratos do cardápio, que não passam dos R$ 30, a porção. É isso mesmo. Mesmo com toda a fama, os pratos não doem no bolso. À mesa, camarão de todos os tipos, assinados por Luzia: acebolado, grelhado à moda da casa, ao alho e óleo, ao molho, cremoso e apenas grelhado. Para acompanhar, arroz branco ao alho e feijão com leite de coco.

No caso dos grelhados, o camarão é aberto, bem diferente do que costumamos comer. Está sempre no ponto, tenro, com consistência. Ao molho, a sensação é que derrete facilmente na boca. É cremoso no ponto. A receita, claro, é guardada a sete chaves, mas é só “apertar” que Luzia revela, mas te faz prometer não contar para ninguém. Mas com jeitinho, você consegue. Foi perguntando que descobri, por exemplo, que o feijão levava leite de coco, uma novidade pra mim. Sobre o camarão, é claro que prometi não contar.

Pratos à base de camarão servidos no restaurante da Luzia, na praia de Atins, em Barreirinhas
Pratos à base de camarão servidos no restaurante da Luzia, na praia de Atins, em Barreirinhas

Reféns do negócio

Mas todo esse sabor esconde um drama que não tem sido discutido como deveria. É que o melhor camarão do mundo pode estar ameaçado. Os guias turísticos locais, que são os maiores responsáveis por levar os clientes (turistas) até os estabelecimentos, passaram a cobrar taxas absurdas aos pequenos empresários como Luzia. Essas taxas variam de 50% do valor da conta e, em alguns casos, chegam aos absurdos 70%, segundo os donos de comércio com quem conversei. Números que vão muito além de uma mera comissão.

Se um grupo de 10 pessoas consome R$ 500 reais no restaurante, R$ 250 vão automaticamente para o bolso do guia e apenas a outra metade fica para o estabelecimento. Multiplique o valor por dois, três, cinco, dez grupos por dia, na alta temporada. E aí tem-se uma noção de que trata-se de um negócio lucrativo. “Somos hoje reféns desse negócio absurdo, tanto que, além do dinheiro, muitos dos guias entram, comem e até pedem comida para levar para casa sob a ameaça de que não vão mais trazer turistas”, diz uma funcionária do local que não quis se identificar. Não tenho a informação se a prática é de conhecimento das agências que contratam os guias.

Sem clientes, e dinheiro no caixa, os poucos donos de comércios acabam cedendo a pressões. Quem resiste, como Luzia, paga outro preço alto: o da falta de clientes e da má fama. “A situação está bem difícil hoje em dia e eu já não sei mais o que fazer. Eu me apego ao meu produto, que é conhecido e apreciado por todos que passam por aqui”, conta a empresária, com semblante triste de quem não sabe o que fazer para mudar a situação.

No vilarejo de Atins, onde se concentram as pousadas e portanto os turistas, há fofocas. Todas as conversas parecem ter sido plantadas, não há versões diferentes, todos os moradores falam a mesma coisa: de que os guias pararam de levar turistas até o local porque são maltratados por Luiza, que nega. “Isso é um absurdo. O que me recuso é pagar o valor exorbitante e a dar comida de graça, por isso espalharam essas coisas por aí”, conta, revoltada. O dono de um mercadinho de frutas no vilarejo diz que é verdade. “Como que os guias vão sobreviver se não receberem uma fatia do dinheiro?”, questiona.

Formou-se uma rede de corrupção e isso explica o motivo pelo qual o restaurante de Luzia, apesar de todos os 20 prêmios conquistados em 17 anos e a fama de o “melhor camarão do mundo”, estar vazio e o do lado, que inclusive é de seu irmão, Antônio, estar cheio de carros 4×4, com símbolos de agências de turismo. Todos conduzidos por guias, de Barreirinhas, em sua maioria.

Para entender melhor a situação, conversei com um desses guias que disse ter sido maltratado pela dona do estabelecimento, mas confessou que recebe taxa dos restaurantes para levar turistas. “Isso é normal aqui. É a nossa forma de ganhar dinheiro. Mas na Luzia eu não volto mais”, sentenciou ele, repetindo o discurso de outros guias e moradores com quem conversei nos meus dias em Atins. Todos repetiram a mesma história.

No Facebook, ao postar sobre o assunto, o tema gerou reações acaloradas. Pedro Cardoso, que se identificou como guia há mais de 30 anos, relatou que nunca levou turistas ao restaurante da Luzia.”Sempre fui no seu Antônio e na dona Magnólia, que são uma simpatia. Tudo isso que você [ Elton ] está falando não é verdade. Luzia está colhendo o que plantou”, escreveu. Ele não especificou exatamente o quê.

Márcio Pereira, que também se identificou como guia no Facebook, afirmou que não existe comissão em nenhum dos restaurantes – de Luzia e do irmão, Antônio. “Não conheço ninguém que tenha recebido comissão. O que acontece é que Luzia realmente tratava mal os guias e os clientes são testemunhas. Eu posso falar precisamente de mim. Não levo mais turistas lá”, escreveu, pouco após afirmar que Luzia viveu seus tempos dourados, com clientes chegando por lá de helicóptero. “Vocês não conhecem nada do que estão falando. O restaurante já foi enorme, o point do Canto de Atins”.

Outro guia da região, José Costa, relatou, também pelo Facebook, que é delicado falar sobre o assunto “uma vez que a situação envolve questões pessoais”. Segundo ele, é injusto culpar os guias locais. “Comissão ocorre em toda a cadeia do turismo. Pelos muitos relatos de mal atendimento e más relações profissionais, acho que deveríamos tratar com mais cuidado a situação do restaurante da Luzia”, escreveu.

Mas o fato é que, na região, enquanto os guias turísticos exibem quadriciclos novos e – segundo apurei com outros moradores – motos e até carros do ano, o pequeno empresário sofre. Além de Luzia, descobri outros dois estabelecimentos que também se recusam a ceder. E foi por acaso, quando tivemos problemas com o nosso guia. Explico.

Até então simpático e divertido, o guia contratado pelo nosso grupo se transformou quando dissemos “não”. Por vontade dele, sugeriu que iria nos levar primeiro à Caburé para almoçarmos por lá, e só então à Mandacarú, uma cidadezinha do outro lado do Rio Preguiças. Como já conhecíamos a região, e sabíamos que os restaurantes de Caburé chegam a ser quatro vezes mais caros, nos recusamos e pedimos para visitar o vilarejo de Mandacaru primeiro. Ele não gostou. E fez questão de deixar isso claro com seu comportamento hostil.

Cardápio do Restaurante da Luzia: preços dos pratos não pesam no bolso
Cardápio do Restaurante da Luzia: preços dos pratos não pesam no bolso

Segundo nosso guia, o farol – um dos pontos turísticos do vilarejo – só abriria às 15h e que, portanto, precisaríamos esperar muito depois do almoço para visitá-lo, se optássemos primeiro por conhecer o local. Mentira. O farol não fecha para almoço, como pude conferir pessoalmente. Ele não queria que almoçássemos em Mandacaru para poder receber a sua fatia do bolo do lado de lá do rio, em Caburé, em um dos restaurantes que se sujeitam ao negócio e que, obviamente, cobram mais caro do turista. O tempo fechou tanto que ele passou a nos tratar mal. Os donos do restaurante em Mandaracu que decidimos almoçar até ofereceram comida para ele, que recusou, de forma bem grosseira, em nossa frente.

Uma funcionária desse local, que também pediu para não ser identificada, me confirmou o esquema. “Nós também nos recusamos a pagar os 50% pedidos por eles e apenas decidimos oferecer comida, mas eles se recusam a trazer os turistas para cá. Sempre dizem a mesma coisa, que o farol está fechado na hora do almoço e invertem o roteiro, vão primeiro para Caburé e depois do almoço, para cá”, disse. Para tentar sobreviver, ela passou a vender cerveja barata e diminuiu muito o preço da comida. Para se ter ideia, nosso grupo de 5 pessoas almoçou à vontade camarão ao alho e óleo, ao molho, peixe frito e caranguejo por R$ 100.

Enquanto a população de Atins mesmo sem querer ajuda a contribuir para o problema, Luzia, a famosa cozinheira da região, não descarta a possibilidade de fechar as portas. “Talvez eu tente reabrir em outro lugar, mas preciso acreditar na minha comida, só ela pode lutar contra esse negócio do qual nos tornamos reféns”, afirma. Na dúvida, não deixem de ir ao restaurante dela. Faz bem ao paladar, ao pequeno negócio no Brasil e à livre concorrência. E lembre-se: ao contratar um guia turístico, quem diz o que fazer, o que ver e onde comer é você. Ninguém mais.

Dicas:

– Leve dinheiro vivo. Pelo local ermo, não há cartões de crédito ou débito.
– Se não estiver preparado fisicamente, não caminhe até o local, embora eu indique que faça o percurso – é belíssimo, mas não é para qualquer pessoa. Há moradores que cobram barato para fazer o trajeto via cavalo ou quadriciclo.
– Se ainda assim optar por caminhar, e não conseguir fazer o mesmo percurso de volta, o marido da Luzia cobra uma taxa para levá-los de volta à Atins. Pagamos R$ 120 para nosso grupo, de cinco pessoas.

Serviço:

Restaurante da Luzia
Local: Canto de Atins, s/n | Maranhão
Tel.: (98) 8709-7661 e (98) 9132-3187

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