Esta semana, as notícias sobre o Brasil nos jornais internacionais impressionaram aqueles acostumados a ler histórias pitorescas e exóticas, que é como normalmente o país é retratado lá fora. De uma hora para outra, cenas de confronto com a polícia e uma multidão de pessoas segurando cartazes e gritando palavras de ordem invadiram o noticiário. Afinal de contas, qual o porquê de todos esses eventos que irmanaram a nação num uníssono grito de basta?
Antes de tentar encontrar algumas respostas, uma digressão se faz necessária: já se distancia o tempo no Brasil em que futebol, carnaval e outras coisas – ingredientes atualizados do velho panis et circenses dos políticos romanos que numa genialidade maquiavélica o inventaram – serviam para anestesiar a população, fazê-la mergulhar numa fantasia de grandeza ou de um tipo de satisfação megalomaníaca que a impede de ver a realidade. O que se viu nestes últimos dias é que, mesmo em plena Copa das Confederações, as manifestações populares cresceram exponencialmente. Homens, mulheres, jovens, idosos de diferentes raças e credos, não só se vestiram de verde e amarelo nos estádios para gritar seu orgulho pela seleção, mas também invadiram as ruas clamando por mudanças.
Embora pareça cedo para definições categóricas, uma alternativa para responder a origem de tamanha indignação popular pode vir do próprio cotidiano do brasileiro. O enorme descontentamento é generalizado, de norte ao sul do país. Não há estado brasileiro que não se ressinta com o descaso e a má gestão. Nesse sentido, as passeatas reivindicatórias demonstram, em atos e palavras, a exaustão do cidadão, humilhado e cansado de promessas vazias. É a explosão da energia reprimida diante do massacre diário que eclode dos escândalos sem conta.
A multiplicidade de reclamos que começou com o aumento das passagens do transporte urbano em São Paulo – um estopim causado pelo acréscimo de vinte centavos – catalisou a insatisfação latente de uma multidão. É o descortinar de um cenário onde protagonizam antigas questões (ou velhos problemas) da educação, saúde, moradia, corrupção política…
A educação brasileira, por exemplo, já galgou diversas conquistas. Mas todos aqueles que nela militam sabem que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que ela possa, de fato, atender a padrões de qualidade capazes de retirar nosso país da indigência acadêmica, do analfabetismo funcional e da baixa formação de um corpo técnico indispensável ao crescimento econômico e social. Recentemente, o Senado aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), que contém entre os seus objetivos, o de investir cerca de 10% do PIB brasileiro em educação. Também foi acrescido ao PNE parte do projeto que destina 100% dos royalties do petróleo e mais 50% do Fundo Social extraído da camada do pré-sal para a educação. É uma notícia alvíssara e caso torne-se realidade, terá o mérito de dotar o Brasil de nova feição, para o bem desta e das futuras gerações.
A saúde brasileira também sofre da doença crônica da escassez de recursos para fazer frente a tantas demandas, e por isso mesmo ostenta uma situação alarmante em infraestrutura, corpo técnico e equipamentos. As pessoas entendem que não basta ter a disponibilidade do serviço, se este continua precário e de baixíssima resolutividade. O SUS, que possui mais de 20 anos, ainda não consegue atender ao que está proposto na legislação. É outro problema que necessita de urgente intervenção.
Outras situações que demandam a adoção de soluções dizem respeito à infraestrutura de comunicação, o transporte em todos os modais, a mobilidade urbana, a segurança. A lista é extensa. Sofremos com a falta da expansão de ferrovias, estradas, portos; doenças de terceiro mundo (muitas delas há muito exterminadas em países não tão distantes); sem contar que o consumo de drogas é alarmante, o efetivo policial que precisa urgentemente de reforços e a não efetivação de uma política de gestão de resíduos sólidos que traga ao mesmo tempo respeito maior ao nosso meio ambiente e oportunize geração de emprego e renda. Falta espaço para falar da modernização da justiça (para que cumpra a celeridade prevista na Constituição, esta mesma cheia de normas ainda não regulamentadas por leis ordinárias e complementares), do planejamento urbano, da moradia…
O que querem os cidadãos que saem de suas casas a empunham bandeiras e cartazes? Desejam, além de todas as questões suscitadas, qualidade nos serviços públicos pelos quais pagam caro. O país bate recordes anuais seguidos em arrecadação de impostos e em 2013, diz o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o brasileiro trabalhará 150 dias para pagar os impostos devidos aos governos nos três níveis: municipal, estadual e federal. Cerca de 42% da renda bruta do trabalhador estará comprometida com os impostos.
O movimento é legítimo e, percebe-se, cada vez mais tem o cidadão comum, cumpridor de suas obrigações, que sonha com uma nação mais justa, equânime, democrática na prática, nas fileiras das passeatas. É compreensível que o movimento rejeite de forma agressiva os partidos que, no limite, representam um estado de coisas que precisa mudar.
Vivemos uma nova era. As novas formas de comunicação reproduzem à velocidade da luz as reivindicações de cada um. Que cada passo dado nestes últimos dias sirva para moldar o país com o qual todos sonhamos, ético, justo e democrático.
Doutor em Nefrologia, reitor da UFMA e membro do IHGM, ACM, AMC e da AML