O episódio que passo a narrar agora nada tem de fantasioso e me foi relatado há uma semana por um advogado que se disse desiludido com a profissão. Tomado por um misto de ética e temor, o causídico, cuja identidade será preservada, contou que depois dos apuros que viveu ao defender um grande traficante decidiu que a partir daquela experiência exerceria a advocacia de forma esporádica e com máxima cautela.
O caso é marcado pelo que de mais sórdido existe nas relações humanas. Chantagem, extorsão, ameaças e até humilhações sexuais compuseram o enredo de uma trama que expõe toda a podridão da Justiça brasileira. Sem mais delongas, eis o fato:
Tudo começou com a prisão de um dos maiores traficantes de São Luís, com atuação em praticamente todos os bairros da cidade e em outras cidades maranhenses. Flagrado em uma operação policial com cerca de 40 kg de cocaína, o criminoso foi trancafiado em uma cela de uma das delegacias da capital. De uma hora para outra, ele viu seu padrão de luxo desabar para uma condição que beirava a indigência. No ambiente inóspito da cadeia, o outrora magnata passou a dormir no chão e a se alimentar de uma comida que lhe causava repugnância.
Convicto de que deixaria a prisão em pouco tempo, como das outras vezes em que fora pego, de início, o traficante encarou a situação com certa naturalidade. Sua primeira providência foi acionar advogados já habituados a defendê-lo. Mas estes nada puderam fazer, já que a quantidade de droga apreendida em seu poder o sujeitava às mais severas acusações.
Obviamente transtornado com a situação, ele decidiu recorrer ao escritório de uma advogada que hoje atua como delegada de polícia. Especializada em direito criminal, a experiente profissional logo destacou um dos seus mais talentosos estagiários – ninguém menos que o autor do relato aqui reproduzido – para iniciar os contatos com o cliente no cárcere, a fim de tomar pé da situação e elaborar a peça de defesa.
As tentativas de soltar o preso pelos meios convencionais foram todas frustradas, tamanha a gravidade do caso, até que advogada e auxiliar decidiram que o melhor seria abandonar a questão. Para isso, teriam que apresentar um bom argumento ao traficante, que àquela altura já havia sido transferido para o Complexo de Pedrinhas. Então surgiu a idéia de elevar os honorários e outros custos a um valor absurdo, de forma a fazer o cliente desistir dos serviços do escritório.
Assim, o estagiário retornou ao presídio e informou ao criminoso que sua liberdade custaria R$ 500 mil. Por alguns segundos, o preso o olhou com espanto, semblante que logo se desfez. “Se é assim, você liga para o telefone x. Vai atender uma pessoa. Você diz a ela que eu mandei que depositasse o dinheiro em contas diferentes, cujos números você fornecerá”, orientou, em tom autoritário, fazendo o defensor suar frio.
Sem acreditar no que ouvira, o estagiário tentou desconsiderar as instruções do traficante, mas este sentenciou: “ou vocês me tiram daqui ou vão sofrer as conseqüências. Diga à doutora que já sei que ela tem dois lindos filhos”. Apavorado, o estagiário correu ao escritório para retransmitir a ameaça à chefa. Cientes do perigo que corriam, ambos só viram uma alternativa: subornar juiz, promotor e quem mais fosse preciso.
Não foi difícil encontrar um magistrado disposto a negociar a soltura do preso. Todos os acertos foram feitos no Fórum do Calhau e também envolveram um promotor de Justiça. O estagiário disse ter ficado impressionado com o tom jocoso com que o representante da Justiça, que recebeu R$ 50 mil em troca da sentença, tratava o assunto.
Um dos detalhes mais sórdidos da história ocorreu durante a negociação. Aproveitando-se do desespero da advogada, o juiz, acostumado a receber favores sexuais, exigiu, além do dinheiro, que ela lhe proporcionasse o prazer de uma felação. Refém da situação, a causídica não teve alternativa a não ser satisfazer os desejos carnais do magistrado.
De posse do alvará de soltura, o estagiário seguiu para Pedrinhas, aliviado por ter conseguido livrar o cliente da cadeia e afastar o risco de morrer. Mas ainda havia uma etapa a cumprir: entregar o documento à direção do presídio e obter um atestado de boa conduta do detento, o que custou mais R$ 20 mil.
Mesmo com a quantia gasta na compra da liberdade do traficante, ainda sobrou um bom dinheiro a ser partilhado entre os defensores. À advogada dona do escritório coube cerca de R$ 150 mil. O estagiário embolsou R$ 25 mil, dinheiro que ele considera o mais sujo que já recebeu na vida.