Raimundo Nina Rodrigues nasceu no interior do Maranhão, no antigo povoado Manga, de onde saiu para, anos mais tarde, projetar-se nacionalmente como médico e antropólogo.
Há quem diga que ele, como valoroso cientista de seu tempo, deveria merecer do Maranhão maiores honras e glórias. Se de nossa gente recebeu certo esquecimento, do povo baiano ganhou distinção especial, ao estudo da medicina legal e africanologia, de que, incontestavelmente, foi o iniciador no Brasil. Não é à toa que muita gente, aqui e alhures, imagina que Nina Rodrigues é baiano e não maranhense. Pouco conhecido em nossa terra, mesmo assim teve seu nome perpetuado no frontispício de um hospital, numa das ruas mais importantes de São Luís e num município do interior do Estado.
Em São Luís, em 1941, no governo do interventor Paulo Ramos, foi inaugurado o Hospital- Colônia Nina Rodrigues, voltado para assistência e tratamento de psicopatas, construído no antigo bairro do Areal, hoje Monte Castelo, com seis pavilhões. Em 1906, a Câmara Municipal denominou de Nina Rodrigues a Rua do Sol. Em 1961, a vila da Manga foi desmembrada de Vargem Grande e, por meio de lei votada pela Assembleia Legislativa, transformou-se no município de Nina Rodrigues.
Não fossem essas homenagens, nada o Maranhão teria dado a Raimundo Nina Rodrigues, ele que, no dia 4 de dezembro completa 150 anos de nascimento, e, por isso, será reverenciado na Bahia, o ponto alto dessas comemorações.
O Instituto Baiano de História da Medicina e a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia vão realizar eventos em comemoração ao sesquicentenário de nascimento do conceituado cientista, que trocou o Maranhão pela Bahia, onde ganhou prestígio, respeito e admiração, pela dedicação à Medicina Legal e à Antropologia, sobre as quais publicou, no final do século XIX, inúmeras obras, que até hoje, geram controvérsias e polêmicas acadêmicas.
Raimundo Nina Rodrigues, de família abonada, viveu a primeira infância na fazenda do pai, em Vargem Grande, na companhia de 6 irmãos e de cerca de 60 cativos, entre africanos e descendentes. Aos 10 anos já se encontrava em São Luís, onde cursou o Seminário das Mercês e cinco anos depois ingressou no Colégio São Paulo.
Em 1982, embarcou para Salvador e estudar na Escola Tropicalista Baiana, onde se preparou para ingressar na Faculdade de Medicina da Bahia, mas concluiu o curso no Rio de Janeiro. Diplomado médico, retornou a São Luís em 1887, quando passou a clinicar. Dois anos depois, com a cabeça centrada na pesquisa médica, voltou para Salvador, onde um grupo de médicos já mirava o estudo da etiologia das doenças tropicais, que acometiam as populações pobres do país. Nina Rodrigues, mudou de endereço muitas vezes, alternando passagens entre Maranhão, Bahia e Rio de Janeiro.
Trocou o Maranhão pela Bahia, por faltar condições locais para acompanhar e contribuir, como atento intelectual, o desenvolvimento do que mais avançado vinha acontecendo nas metrópoles europeias e brasileiras, com respeito à Antropologia, Medicina Legal, Psiquiatria e Criminologia. Mas há outra versão para essa migração. Segundo Domingos Vieira Filho, no livro “Breve História das Ruas e Praças de São Luís”, Nina Rodrigues, além de consultas, fazia longas vigílias de pesquisas sobre nutrição como ciência e as publicava no jornal “Pacotilha”. A irreverência e a ironia maranhense não o perdoaram, sendo-lhe atribuído o apelido de “Dr. Farinha Seca”, fato que o deixou amargurado, escarnecido e motivado a mudar-se para a cidade de Salvador, que a recebeu generosamente.
Encontrou a Bahia, por força da Abolição e da Proclamação da República, numa fase de decadência econômica e política, com sua população de negros e mestiços, então considerados inferiores. Disso fez motivo para desenvolver pesquisas que se tornaram referência para os estudos afro-brasileiros.
Em recente trabalho, os professores da Universidade Federal da Bahia, Jeferson Bacelar e Claúdio Pereira, revelaram que no livro “As raças humanas e responsabilidade penal no Brasil”, Nina Rodrigues demonstrou, à luz das teorias evolucionistas, que não se julga povos desiguais da mesma forma perante a lei. Isso porque negros e índios teriam uma consciência do direito e do dever diferentes dos povos cultos das raças- branca, e, portanto, seria inconseqüente proclamar a igualdade das diversas raças brasileiras sem pensar nos atenuantes da responsabilidade penal.
Algumas teses criadas ou defendidas por Nina Rodrigues, publicadas em livros, levaram-no ao pelourinho da intolerância e o marcaram como racista. A despeito disso, deixou seu nome consagrado como verdadeiro pioneiro da Medicina Legal, com estudos importantes sobre a religião africana e os africanos aqui aportados.
Nina Rodrigues, em 1906, representou a Faculdade de Medicina da Bahia num simpósio em Milão. Antes de retornar ao Brasil, visitou Portugal e França. Em Paris, misteriosamente, faleceu. Seu desaparecimento, na circunstância em que se deu, causou polêmica no Brasil, pois os médicos franceses não apresentaram um laudo convincente sobre a morte do cientista. Em vista disso, na Bahia, houve quem achasse o seu falecimento um produto de feitiço ou “despacho”.