SAUDOSA MAROCA, MAROCA QUERIDA

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Até antes de São Luis ingressar na fase das boates, motéis, casas clandestinas e “inferninhos, (segunda metade dos anos 1960), a vida noturna da cidade gravitava em torno das pensões da zona do meretrício, localizadas nas Ruas da Palma e 28 de julho.
Era para ali, que acorriam, em escaladas noturnas, homens de negócio, políticos, turistas, boêmios e notívagos, à falta de opções de entretenimento em outros locais da capital maranhense.
Quando a zona do meretrício viveu o seu esplendor, no período de 1930 a 1960, São Luis era uma cidade acanhada em termos urbanísticos, portanto, sem ainda expandir-se, por força da especulação imobiliária. A sua população ainda não havia crescido tanto como nos últimos tempos, por isso, concentrava-se no centro urbano.
No apogeu da ZBM surgiu em São Luis a figura humana de Maria Ramalho Pestana, que, com o correr dos anos, se transformaria na personalidade mais importante da vida boemia e noturna da cidade, onde reinou, sem concorrência, por mais de trinta anos.
Maria Ramalho Pestana se tornou nacionalmente conhecida por Maroca. Pelo fato de ser a dona da pensão mais famosa da cidade, ganhou notoriedade e passou a ser cortejada pelo mundo político, empresarial e intelectual, fossem casados ou solteiros, velhos ou jovens, mas dotados de recursos para gastar com mulheres geralmente egressas do interior do Estado.
Em junho de 1975, eu trabalhava em O Imparcial, onde assinava a coluna Roda Viva, quando fui tomado por súbita vontade de entrevistar Maroca. Naquela época a zona do meretrício já não era a mesma. Atravessava dias de incerteza, de decadência e procurava impor-se diante da nova realidade que vivia a cidade e sua população, face ao surgimento de outras formas de diversão e as mulheres em plena fruição da liberação sexual.
Procurei-a na pensão que era o seu quartel general. Apresentei-me como jornalista e desejava saber o que ela pensava sobre o momento de agonia da ZBM. Maroca pulou para trás, tentando descartar a conversa comigo. Não desanimei e voltei lá outras vezes até vencer sua resistência, mas, em contrapartida, impôs a condição de não ser fotografada, com a qual concordei.
Disse-me que chegou a São Luis em 1935, com 17 anos. Veio de Pedreiras porque os familiares não concordavam com a perda da sua virgindade. Como não tinha profissão, foi direto para zona do meretrício, sendo hóspede da pensão de Honorina Guabiraba. Bonita, jovem e sagaz, logo passou a ser cobiçada pelos homens, que começaram a incentivá-la, pela sua capacidade de liderar as companheiras, a ser dona de pensão.
Em 1941, com certa poupança e ajuda de amigos, comprou o modesto cabaré de Chiquinha Navalhada, na Rua 28 de julho, que demorou pouco para impor-se e ser chamado de Pensão da Maroca. Na época da guerra, os americanos instalaram no Tirirical uma base militar. Os soldados ianques, por falta de diversões noturnas na cidade, escolheram a sua pensão para as noitadas de folga e ali gastavam os seus dólares. Foi o ápice da ZBM, que, dolarizada, deu a ela e as mulheres melhor qualidade de vida. Além da moeda americana, também contribuiu para a fase áurea do meretrício: o não pagamento de taxas à prefeitura e à polícia, esta, sempre presente, para manter a ordem e tranquilidade dos freqüentadores.
Sobre os tempos de fastígio da ZBM, revelou, com doses de saudade, o perfil dos que freqüentavam a sua pensão: os homens invariavelmente vestidos de paletó e gravata; as prostitutas com roupas requintadas. Pedreiras, segundo ela, era a cidade que mais exportava as chamadas “mulheres de vida fácil” para São Luis, onde eram submetidas a exames de saúde e a treinamento para receber bem os clientes. Por ser o cabaré mais famoso e procurado, não aceitava bagulhos, rameiras e portadoras de doenças venéreas. Depois de selecionadas, tinham direito a alimentação, boa remuneração e quarto de dormir.
Em 1951, época do movimento popular contra a posse do governador Eugênio Barros, Maroca, em solidariedade à luta oposicionista, determinou o fechamento temporário das pensões e as prostitutas acataram a decisão de fazer greve sexual.
A partir dos primórdios dos anos 60, a ZBM começou a entrar no processo de esvaziamento, em decorrência da proliferação na cidade de chatôs, casas clandestinas e motéis. Os homens deixaram de freqüentar a sua pensão e as mulheres procuram outras praças, especialmente Rio e São Paulo, onde o sexo passou a ser um negócio mais rendoso. Sem condições de manter uma pensão sem retorno financeiro, mudou-se para Teresina, onde montou duas pensões, que deram a ela um bom faturamento.
Com a poupança construída, voltou a São Luis, mesmo sabendo que a ZBM perdera o encanto e não era mais como antigamente. Deixou Teresina, no início da década de 70, para aqui começar tudo de novo. Instalou-se na Rua da Palma, tentando fazer o sucesso de outrora. Ledo engano. A zona do meretrício estava sob o impacto de uma irreversível crise, resultado do processo de modernização e crescimento da cidade, que se expandiu para a periferia e a orla praiana. Fez de tudo para reanimá-la, mas em vão. Em não conseguindo, decidiu recolher as armas e, sem lenço e sem documento, esperar o dia que Deus a chamasse.

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