Um dos políticos que pontificaram na vida pública do Maranhão, reconhecidamente dotado de invulgar inteligência, incomum presença de espírito e fina ironia, chamava-se Líster Segundo da Silveira Caldas, que no dia 11 de agosto, se ainda estivesse entre nós, teria completado cem anos de vida.
Nascido em Teresina, ainda criança veio com a família de muda para São Luís, onde estudou, diplomou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito e ingressou na cena pública, como chefe de gabinete do interventor Saturnino Bello, na transição da ditadura para a democracia.
Nas eleições de 1947, pela sagacidade, amizade e afinidade política com o senador Vitorino Freire, teve o seu nome incluído na chapa de candidatos à Assembleia Legislativa, onde participou da elaboração da nova Carta Constitucional do Maranhão.
Nas eleições de 1950, reelege-se a deputado estadual pelo Partido Social Trabalhista, criado e comandado por Vitorino Freire. Pela destemida atuação, fez parte da relação de candidatos à Câmara Federal, para a qual se elege nas eleições de 1954, 1958 e 1962, fazendo dobradinha com o leal amigo, Mário Flexa.
Em 1966, quando o Brasil se encontrava sob a égide do regime militar, filia-se à Arena, mas por não pertencer ao grupo do governador José Sarney, as urnas não lhe foram favoráveis e o levaram a abandonar a vida política.
Em 1950, casou-se com Nícia Castelo Branco, com quem teve um filho: o engenheiro Leônidas Soriano.
No meu livro, editado em1989, com o quilométrico título de “Politiqueiros, Politicalha, Politiquice, Politicagem, Política do Maranhão”, a ser reeditado ainda este ano, o saudoso Líster Caldas é um dos mais citados, por conta de sua inigualável verve, que o estimulava a fazer comentários jocosos de atos protagonizados por atores da cena política estadual. Com a palavra, Líster Caldas.
PADRE CARNAVALESCO
Quando o Congresso Nacional funcionava no Rio de Janeiro, o deputado Líster Caldas almoçava num restaurante com o amigo, cabo eleitoral e guia espiritual, padre Oton Salazar, este, rigorosamente vestido como mandava o figurino da Santa Madre Igreja Católica: batina preta
Era época de carnaval e um amigo de Líster, para matar a curiosidade, perguntou se o homem que estava ao seu lado era realmente padre.
A resposta saiu na hora. – Não. Como estamos no carnaval, ele se fantasiou de padre.
DILEMA DE CASTELO
O governador João Castelo, nas proximidades do encerramento do prazo para disputa ao Senado, estava em dúvida se renunciava ou não ao cargo que ocupava.
Para resolver o dilema, procura amigos e conselheiros, dentre os quais Líster Caldas.
Em conversa reservada no Palácio dos Leões com o sabido e experiente parlamentar, dele recebeu este prudente conselho: – Lembre-se de Pedro Neiva e de Nunes Freire. Ambos não renunciaram e cumpriram o mandato até o final. Resultado, Pedro Neiva ficou vendo tralhoto dando salto mortal na Beira-Mar e Nunes Freire olhando as torres e ouvindo o badalar dos sinos da igreja de Santo Antônio.
EMBALOS À JOHN TRAVOLTA
Líster estava em Brasília quando o Congresso Nacional aprovou o projeto de reforma política, encaminhado pelo Poder Executivo.
Testemunha do trabalho do senador José Sarney, relator da matéria, Líster, chega a São Luís e desabafa: – O desempenho de Sarney foi tão perfeito e eficiente, na defesa do projeto governista, que parecia o John Travolta nos embalos de sábado à noite.
MERDA NO VENTILADOR
A participação do ex-senador Vitorino Freire na sucessão do governador Pedro Neiva de Santana, era vista como provável, face à sólida e antiga amizade que mantinha com os irmãos e generais Orlando e Ernesto Geisel.
Interessado em saber até que ponto Vitorino poderia influir no processo sucessório maranhense, o deputado Marconi Caldas procura o tio Líster, que, sem pestanejar, responde: – Eu não sei se o Vitorino terá forças para indicar o futuro governador, mas garanto que ele pode jogar muita merda no ventilador da sucessão.
VOTO DE MORTO
Líster e Henrique Salcher fizeram dobradinha para serem votados, respectivamente, a deputado federal e estadual em Pinheiro, nas eleições de 1966.
No momento do embarque, para participarem de um comício naquela cidade, desaba um violento temporal no aeroporto do Tirirical, impedindo a decolagem do avião.
Diante da inesperada e desesperadora situação, Líster convence Salcher a transferir a viagem para outro dia com este indiscutível argumento: – Morto no Maranhão vota, mas não se elege.
ONÇA COMEDORA DE VOTO
Nas eleições de 1966, Líster não se reelege pela Arena, depois de cumprir três mandatos na Câmara de Deputados.
Em São Luís, já sem mandato, resolve assistir ao desfile estudantil e militar em homenagem à Independência do Brasil, à época, ainda realizado na Praça João Lisboa.
Ao ver o governador José Sarney no palanque, Líster comenta com o amigo e prefeito de Morros, Tomás Costa: – Ali está a onça que comeu o meu gado.
DE PERUCA NA RUA
No exercício do cargo de governador, o professor Pedro Neiva nomeia o cunhado Haroldo Tavares a prefeito de São Luís.
Meses depois, num evento no Palácio dos Leões, o governador numa conversa com Líster Caldas, quer saber como ele via a gestão do engenheiro e cunhado na prefeitura.
Governador, retrucou Líster, o senhor bota uma peruca, para não ser reconhecido nas ruas, e faça essa pergunta aos moradores da cidade.
LUTA NA RETAGUARDA
No aeroporto de Brasília, o ex-deputado Líster Caldas encontra o deputado Domingos Freitas Diniz, que se preparava para residir novamente em São Luís, pois não se reelegeu à Câmara Federal.
Líster, que já havia vivido o mesmo problema, aproxima-se de Freitas Diniz, coloca a mão no seu ombro e confidencia: – Vamos em frente, companheiro, porque essa viagem de volta eu já fiz e sei que na retaguarda também se luta.
RESTO DO EPISÓDIO
No ano seguinte à posse do governador José Sarney, houve eleição para a renovação das representações maranhenses no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa.
Numa sessão do Tribunal Regional Eleitoral, alguns candidatos que pertenciam ao extinto PSD, tentavam impugnar a diplomação dos eleitos.
Líster, também, derrotado, vendo os companheiros unidos em torno de um inútil objetivo, exclamou desolado; – Aqui estão os que restaram de um triste episódio.
TEMPO FECHADO
Após a indicação, pelo presidente Ernesto Geisel, do deputado federal Nunes Freire para governador do Maranhão, o professor Orlando Leite, ansioso para saber os membros da futura administração, telefonou para o amigo Líster Caldas, que se encontrava em Brasília.
Pelo fio, veio a decepção: – Aqui, ninguém sabe de nada, pois no aeroporto do Nunes Freire o teto está todo o tempo fechado e nenhum avião consegue pousar.