NATAIS NA MINHA TERRA NATAL
Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, em um de seus conhecidos sonetos, referindo-se ao Natal, perguntava: Mudei eu ou mudou o Natal?
Quando se aproxima o período natalino, a pergunta machadiana me remete para a terra onde nasci, vivi a minha infância e desfrutei da adolescência.
Trata-se de uma época em que o Natal não tinha a pompa dos dias correntes e nem era comemorado para satisfazer um consumismo desenfreado e imposto pela sociedade capitalista, que transformou a maior festa da cristandade em farra gastronômica e troca-troca de presentes.
Se atualmente o sentimento material preside as festas natalinas, no passado, o sentido da espiritualidade reinava como princípio básico do evento.
ORNAMENTAÇÃO NATALINA
Nos dias que precediam ao Natal, os itapecuruenses não se preocupavam com a ornamentação feérica de suas residências, até porque a cidade ainda não estava servida por iluminação elétrica.
A comunidade só pensava no cumprimento de uma tradição que se arrastava ao longo do tempo: a instalação de presépios, com as imagens representativas dos participantes da chegada de Cristo no mundo.
Os presépios transformavam-se em atrações e os que se encarregavam de fazê-los não se descuidavam de ornamentá-los com as figuras da liturgia católica.
Na manjedoura, confeccionada à base de palhinha e de plantas campestres, o Menino Deus ganhava posição de realce na companhia contemplativa da Virgem Maria, de São José, dos Reis Magos – Gaspar, Belchior e Baltazar, de anjos e pequenos animais domésticos.
Pontificavam na cidade presépios de todos os tamanhos e estilos. Uns, mais arrumados e decorados; outros, mais humildes e simples, como a maioria da população.
PRESÉPIOS VISITADOS
Lembro que os presépios mais visitados podiam ser vistos na nave da igreja-matriz de Nossa Senhora das Dores e na casa de Raimundo Coelho, mais conhecido por Mundico Rifiri, residente na Rua do Mocambo, atualmente Paulo Bogéa.
O presépio da igreja, cuidadosamente preparado pelas devotas das irmandades religiosas, por ficar dentro do templo católico, era bem visitado pelas famílias, que faziam questão de levar os filhos para saber como Jesus Cristo veio ao mundo.
O presépio montado por Mundico Rifiri se apresentava bem cuidado e sob os caprichos do próprio dono da casa, que tinha o prazer de mostrá-lo a todos que desejassem visitá-lo e em obediência a um ritual que acontecia todas as noites.
Naquela casa, as famílias e os curiosos se acotovelavam para admirar a criatividade do anfitrião e também participar das ladainhas, entoadas sob fervorosas preces e cânticos religiosos.
Os presépios só se desmontavam na noite de 6 de janeiro, no dia consagrado aos Reis Magos, quando havia a queima das palhinhas. Mundico Rifiri, como dono da casa e do presépio, nessa noite, recebia os convidados com festas e pompas e aos mesmos oferecia doces e bebidas não alcoólicas, ao som da banda musical, que tocava para o deleite dos presentes.
OS AUTOS NATALINOS
Outra atração também marcante nos dias que antecediam ao Natal eram as apresentações teatrais – os autos, que versavam sobre o nascimento do Menino Jesus, realizados no quintal do velho Tinoco, onde num ambiente devidamente preparado, os protagonistas, geralmente crianças, vestidas a caráter, exibiam seus dotes artísticos.
As apresentações eram ensaiadas pelas filhas do dono da casa, Zainha e Dorinha. Um dos garotos que participava dos espetáculos, era o meu amigo de infância, Júlio Araújo, mais conhecido por Belisca, um dos melhores jogadores de futebol de minha terra.
A MISSA DO GALO
Com relação à noite de Natal, o ponto alto se dava com a celebração solene da Missa do Galo, que começava rigorosamente à meia-noite e ministrada pelos padres da época: Alfredo Bacelar, Alteredo Soeiro e José Albino Campos.
Praticamente toda a população comparecia ao ofício religioso, para reverenciar e louvar o nascimento do Filho de Deus. Terminada a missa, os meus conterrâneos, antes de retornarem às suas casas, aglomeravam-se em frente à igreja para se abraçarem fraternalmente, como rezava a tradição cristã.
Poucas famílias, geralmente as mais dotadas de recursos financeiros, se davam ao luxo de promover ceias, que não lembram em nada das atuais e extravagantes.
Caracterizavam-se pela frugalidade, até porque careciam de produtos sofisticados e exportados, encontrados, tempos depois, em abundância, nos estabelecimentos comerciais de São Luís. Pratos à base de camarão, carne suína, capão ou peru, eram servidos e consumidos para festejar a data maior da cristandade.
O ROUBO NATALINO
Por falar em aves, não posso esquecer de uma prática que dominava a cidade na noite de Natal. Após a Missa do Galo, o ato de roubar galinhas dos quintais dos incautos. O roubo, infalivelmente executado por figuras masculinas, era praticado com espírito de pura aventura.
Após a apropriação indevida das “criações”, assim chamadas porque criadas em quintais, recebiam um tratamento culinário, para serem devoradas pelos autores do “crime”, convidados e apreciadores do desonesto ato. No dia seguinte, a população sabia os nomes dos “ladrões”, mas ninguém os denunciava à polícia.
Os irmãos, João Boca de Bilha e Zé Fininho, nessa arte de surrupiar galináceos, na noite de Natal, eram imbatíveis.
PRESENTES NATALINOS
No tocante aos presentes natalinos, só os filhos das famílias mais bem dotadas financeiramente tinham o privilégio de recebê-los. Não eram brinquedos sofisticados, como os atuais, pois o comércio de Itapecuru não vendia artigos dessa natureza.
Os brinquedos eram colocados debaixo das redes onde dormiam as crianças. Lembro-me da minha ansiedade e de meus irmãos para descobrirmos ao acordar o que Papai Noel nos trouxera.
Eu, tinha um irmão que, às noites, tinha o costume de acordar várias vezes para urinar e depositar o líquido nos chamados penicos ou urinóis.
Numa noite de Natal, ele, estava tão angustiado para saber o que ganharia de presente, que urinou na rede e a urina caiu toda sobre o que Papai Noel lhe trouxera.
Quando acordou, além do vexame, só não passou o dia triste e revoltado, porque havia um presente sobrando, o qual Papai Noel deu um jeito de chegar às suas mãos.
O troca-troca de presente entre adultos não existia. Veio anos depois por imposição do marketing empresarial, que inventou essas brincadeiras, largamente conhecidas por “amigos ocultos” ou “amigos secretos”, para incrementarem o faturamento da indústria e do comércio.
O MEU PAPAI NOEL
O meu pai, Abdala Buzar, próspero comerciante em Itapecuru, era visceralmente um homem que gostava de brincar e de se divertir em dois eventos: carnaval e natal.
Era seu costume, nessas oportunidades festivas, sair às ruas e visitar os amigos, com roupas adequadas. Com o bom humor que Deus lhe deu, proporcionava à cidade momentos de alegria e descontração.
Na foto, ele, vestido de Papai Noel, ao lado do irmão José Buzar e da filha Lélia, participando de uma festa natalina no Social Itapecuru Clube, nos anos 1960.