O LÍBANO DE MEUS AVÓS

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Fico pensando nos meus avós paternos, Rafiza Gattas Buzar e João Mutran Buzar, se fossem vivos, o que não estariam sentindo ao ver a terra em que nasceram e constituíram famílias,  chamada de Monte Líbano, sofrendo os horrores de uma explosão de um depósito ocupado por 2 700 toneladas de nitrato de amônio, substância altamente inflamável e usada na fabricação de fertilizantes e explosivos, por culpa da negligência de autoridades, que matou quase 150 pessoas e deixou mais de 5 000 feridos.

Não foi por outro motivo, que os meus avós trocaram o Líbano pelo Brasil no momento também de grande sofrimento, quando os povos árabes viviam perseguidos pelo Império Turco-Otomano.  

OS ÁRABES NO BRASIL   

A marcante presença dos sírios e libaneses no Brasil ganha relevância entre o final do século XIX e o alvorecer do século XX, quando da abolição da escravatura e da substituição da Monarquia pela República, movimentos que contribuíram para conduzir o país à modernização de suas estruturas, transformando o trabalho escravo em livre e deixando de ser rural  para focar-se na industrialização e na urbanização.

São Paulo, porque comandava esse processo, era a região que precisava de mais mão de obra estrangeira, por isso, passou a ser o principal agente catalizador dos contingentes árabes, que ingressaram no Brasil.

Se uma parte significativa dessa corrente migratória se fixou em São Paulo, outras, também expressivas, procuraram o Norte e o Nordeste, nas quais aportaram como mascates e posteriormente se transformaram em comerciantes, atividades em que se mostraram insuperáveis pela maneira como sabiam fazer negócios.    

OS ÁRABES NO MARANHÃO

Dentre os estados nordestinos, o Maranhão destacou-se como um ponto atrativo para os imigrantes árabes, que aqui encontraram condições para se implantar e de vencer na vida, pois força de vontade para trabalhar não faltava àquela gente.

São Luís e as cidades às margens dos rios Itapecuru, Mearim e Pindaré, atraíram em maior escala essas correntes migratórias, porque concentravam a maior parte da riqueza econômica produzida no Estado, que demandava para a capital e de onde era exportada para os centros mais adiantados.

OS PIONEIROS

Com exemplos de audácia e coragem, os árabes chegaram ao Maranhão, depois de passarem por momentos difíceis e enfrentarem adversidades de toda natureza, mas aqui souberam aproveitar as oportunidades para acumular recursos e se firmarem como figuras de realce no meio social, empresarial e político.  

Dentre os sírios e libaneses, considerados pioneiros, que fizeram nome na sociedade maranhense, como comerciantes, industriais e profissionais liberais, destacam-se os Murad, Duailibe, Jorge, Mettre,  Simão, Mouchereck, Aboud, Farah, Àzar, Maluf,  Sekeff, Sauaia, Buzar, Fiquene, Safady, Nazar, Fecury,  Waquim, Curi, Millet, Mattar, Francis, Abdalla, Tajra,  Mubarack, Tomeh, Hadad, Mohana, Haickell, Assef,  Zaidan, Chouary, Bouéres, Boabaid, Damous, Nahuz,  Saback e Dino.           

    OS LIBANESES EM ITAPECURU

Os primeiros libaneses que pisaram o solo itapecuruense, pelo que se sabe, foram Basílio Simão, Chafi Buzar, João Elias Murad e Jorge Assef.

Instalaram-se naquela terra, quando ela já havia passado pelos estágios de povoação, freguesia, vila e conquistara o status de cidade, por efeito da lei votada pela Assembleia Provincial e sancionada pelo vice-governador, Silva Maia. A população do município não excedia a dez mil habitantes, sendo administrada não mais por presidentes das Câmaras de Vereadores, mas por intendentes, nomeados ou eleitos.

No momento em que se fixaram em Itapecuru, o Maranhão dava mostras de que, com a extinção da escravatura, um parque têxtil havia se instalado, sustentado na disponibilidade de capital originário da atividade agroexportadora.    

  Esse desenvolvimento da economia maranhense ajudou os árabes a expandirem os negócios e de convencerem os parentes que ficaram no Líbano a virem para o Maranhão, terra que os recebeu de modo fraterno e onde prosperarem.

MEUS AVÓS EM ITAPECURU

Rafiza e João Buzar, ambos nascidos em Zahle, ela, com 25 anos, ele, com 31, vieram para Itapecuru a convite do primo Chafi Buzar, pai do compositor Nonato Buzar, já estabelecido na cidade e desfrutando de boa situação financeira.

Incentivado pelo primo, um comerciante conceituado na cidade, e na certeza de que dele receberia ajuda para conquistar um lugar ao sol em terras maranhenses, João convenceu Rafiza, mulher destemida e trabalhadora, a mudar de ambiente. Com as economias amealhadas, embarcaram num navio até Marselha, na França, e daí tomaram outro navio, com destino a Salvador, na Bahia, onde desembarcaram no dia 21 de abril de 1913.

Além da restrita bagagem, Rafiza trazia na barriga um ser humano em adiantado estado de gestação, fato que fez ela se submeter ao trabalho de parto, na cidade de Juazeiro, cidade baiana, às margens do Rio São Francisco, onde nasceu um bebê do sexo masculino, que recebeu o nome de Abdala, em homenagem ao avô, mas só registrado no cartório de Itapecuru, como nascido naquela cidade, em 15 de novembro.

Quando Rafiza e João Buzar chegaram em terras brasileiras, não possuíam nenhum documento de identidade, pois era assim que a maioria dos sírios e libaneses atravessava as fronteiras estrangeiras.

O casal deixou os filhos do primeiro casamento no Líbano. Anos mais tarde, em 1922, dois filhos de João Buzar, Ana e Nagib, vieram para o Maranhão, moraram algum tempo em Itapecuru, mas depois mudaram-se para a cidade de Codó.

Desde o dia em que colocaram os pés em Itapecuru, Rafiza e João Buzar não perderam tempo. Com o dinheiro trazido do Líbano e o conquistado no processo de mascate, trabalharam incessantemente, inobstante as dificuldades de comunicação, pois o que importava a eles era vencerem as adversidades, prosperarem nos negócios e contribuírem para o engrandecimento da terra que os recebeu fraternalmente.

INICIATIVAS EMPRESARIAIS

As primeiras iniciativas dos Buzar na área comercial, voltaram-se para a venda de artigos de primeira necessidade e de secos e molhados. Compravam produtos manufaturados nas lojas da Praia Grande e os traziam para oferecer à população da cidade e dos povoados ribeirinhos.

O primeiro estabelecimento foi montado nas proximidades da Beira-Rio, num amplo prédio que servia também de residência. Com a expansão dos negócios, mudaram-se para a Rua do Egito, um imóvel bem mais amplo, onde Rafiza deu à luz a outro filho homem, de nome João José, que, mais tarde, junto com o irmão, Abdala, incrementaram os negócios da firma e partiram para uma ousada  empreitada empresarial: a instalação de equipamentos industriais para pilar arroz e fornecer algodão sem caroço para as firmas que formavam o parque têxtil em São Luís.      

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