Em 1962, o servidor do Banco do Brasil, o paraibano Epitácio Afonso Pereira aporta em São Luís, ingressa na vida política e candidata-se a deputado federal. Em 2014, após cumprir o seu segundo mandato de senador da República, dá por encerrada a sua longa vida pública, como representante do povo maranhense.
De 1962 a 2014 foram consumidos 52 anos de exercício em cargos políticos, nos quais Cafeteira teve um relacionamento nada pacífico com José Sarney, em que os sentimentos do amor e do ódio desabrochavam conforme as circunstâncias vividas pelo País e refletidas no Maranhão.
O marco temporal desse meio século de luta conturbada foi o ano de 1962, quando Epitácio Cafeteira concorre às eleições de deputado federal, disputando pelo PR – Partido Republicano, que integrava as Oposições Coligadas, grupo político do qual José Sarney também fazia parte, pois vestia a camisa da UDN – União Democrática Nacional.
Sarney elege-se deputado federal e Cafeteira fica na primeira suplência, mas no começo de 1965 ele é convocado para o exercício do mandato, no qual usa como bandeira a defesa da autonomia política-administrativa de São Luís, a única capital do país a não usufruir essa prerrogativa, que o leva a apresentar um projeto de emenda constitucional, logo aprovado pelo Congresso Nacional, ato que o credencia a candidatar-se a prefeito de São Luís, nas eleições de outubro de 1965, aquelas que Sarney derrotou o vitorinismo.
Vitoriosos no pleito, Sarney e Cafeteira assumem, respectivamente, o Governo do Estado e a Prefeitura de São Luís, mas as relações entre ambos logo se deterioram, quando o prefeito, através de um gesto demagógico, decreta o fim dos bailes populares ou de máscaras em São Luís, medida não acatada pelo governador que a combate impiedosamente.
Como se não bastasse, a Câmara de Vereadores abre guerra contra Cafeteira e institui uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que rejeita a sua prestação de contas, ato que resulta num pedido de intervenção do Governo do Estado na prefeitura, que Sarney não atende, mas o prefeito não o perdoa por considerá-lo mentor daquela conspiração.
SARNEY E CAFETEIRA – I
Esses dois episódios, ocorridos em 1966, concorrem para o rompimento de Sarney com Cafeteira, que se arrasta por 20 anos, tempo em que o jogo entre os dois é pesado e se agiganta face ao decreto do regime militar, que extingue o pluripartidarismo e cria o partido governista, Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o oposicionista, Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Para evitar a filiação de Cafeteira à Arena, Sarney monta uma operação bélica, cujo desfecho é o sumiço do livro de filiação partidária. À falta de opção, o prefeito ingressa no MDB.
Ao deixar a prefeitura, Cafeteira, com boa popularidade em São Luís, disputa pelo MDB, em 1970, a eleição para o Senado, mas não se elege. No pleito seguinte, em 1974, candidata-se e deputado federal, sendo o único eleito pelo MDB, com votação consagradora. Nas eleições de 1978 e 1982, pela legenda do PMDB, reelege-se com facilidade à Câmara Federal. No exercício desses mandatos, sua oposição a Sarney no Maranhão mantém-se incessante e vigorosa.
SARNEY E CAFETEIRA – II
Em 1985, com o regime militar em fase de eutanásia, surge a oportunidade de as oposições chegarem ao poder, ainda que através das eleições indiretas. Para enfrentar o candidato do Governo, Paulo Maluf, surge a Frente Liberal, formada pelo PMDB e uma dissidência governista, em que o senador José Sarney, bafejado pela sorte, tem o seu nome cogitado à vice-presidência da República, na chapa encabeçada por Tancredo Neves.
A formalização da chapa passaria pelo aval do PMDB do Maranhão, do qual o deputado Epitácio Cafeteira era o presidente regional e principal inimigo de Sarney. Se ele vetasse a participação do senador na chapa da Aliança Democrática, Paulo Maluf poderia ganhar a eleição e a abertura política virava um sonho de uma noite de verão. Mas Cafeteira, com a sua esperteza, viu chegar o momento precioso para se tornar o candidato de Sarney nas eleições de 1986 ao governo do Maranhão. Proposta feita, proposta aceita. Dessa forma, Sarney teve a sua candidatura homologada a vice-presidente da República e Cafeteira contou com o apoio do sarneísmo à sua eleição ao cargo de governador do Estado.
Selado esse acordo, depois de vinte anos de recíprocas retaliações políticas e pessoais, Sarney e Cafeteira fumaram o cachimbo da paz.
SARNEY E CAFETEIRA – III
Há que imaginasse que com Sarney na presidência da República, em vista do falecimento de Tancredo Neves, e Cafeteira no comando da máquina administrativa estadual, o Maranhão viveria dias de paz política. Ledo engano, pois novos desentendimentos afloraram pelo não cumprimento da palavra de Cafeteira, que prometeu fazer do deputado Sarney Filho o seu sucessor no Palácio dos Leões. Era a gota d’água que faltava para a volta das animosidades, que os levaram mais uma vez ao ringue, onde a truculência verbal reina em toda plenitude.
Com o ódio pairando no ar, o relacionamento entre Sarney e Cafeteira se agrava com a renúncia do governador, que se desincompatibiliza do cargo, para ser candidato nas eleições de 1990, ao Senado, renúncia essa que permite a subida ao poder do vice, João Alberto de Sousa, que alimenta a crise, que culmina no distanciamento político e pessoal do ex-governador do senador.
SARNEY E CAFETEIRA – IV
Separados novamente, Sarney e Cafeteira trilham caminhos diferentes. Enquanto o primeiro deixa a presidência da República e elege-se senador pelo Amapá, o segundo, graças à máquina administrativa, que usa e abusa na sua gestão, recebe do povo maranhense o mandato de senador da República, que cumpre no período de 1991 a 1998.
No desempenho do mandato no Senado, em duas oportunidades, Cafeteira se lança candidato a governador, mas é derrotado nas eleições de 1994 e de 1998, sempre para a candidata Roseana Sarney, reveses esses que levam Cafeteira e Sarney a travarem uma guerra suja através da imprensa e que acaba na Justiça (Operação Granville e Caso Reis Pacheco).
Em 2002, Cafeteira, ansioso para retornar à atividade política, de olho no mandato de senador, parte para enfrentar Roseana Sarney, que renuncia ao cargo de governador, para representar o Maranhão no Senado da República. Novamente, Cafeteira não consegue impor-se eleitoralmente e perde uma eleição majoritária, desta feita, para a filha de seu maior inimigo político.
SARNEY E CAFETEIRA – V
Quem pensou que Cafeteira, depois de três derrotas seguidas, fosse tirar o time de campo, equivocou-se redondamente, pois em 2006, após dezesseis anos distante do sarneísmo, se aproxima mais uma vez do grupo político ao qual devotava ódio para propor uma aliança, que faz dele o candidato às eleições majoritárias de senador.
Sem medo de ser feliz, agarra-se a essa oportunidade ímpar de retornar ao Congresso Nacional, na condição de senador, cargo eletivo que seria o último de sua vida, tendo em vista à avançada idade. Cumpre o mandato até o fim, ainda que apoiado numa cadeira de rodas, mas de paz e de bem com José Sarney, com o qual viveu aos trancos e barrancos durante 52 anos.