O prazer de fazer cartas, dirigidas a correligionários e a adversários, marcou acentuadamente a geração política do século passado.
As epístolas, para os políticos de outrora, foram instrumentos de comunicação de imensa serventia. Serviam-se delas para tudo e para qualquer tipo de manifestação de sua conveniência. Não importa que fosse inimigo ou amigo.
Para quem contrariasse os interesses ou batessem de frente contra as vontades ou orientações, as cartas eram amargas e quase sempre no tom da rispidez e do baixo calão. Mas aos que rezavam nas cartilhas, cumprissem a fidelidade e os acompanhassem nas caminhadas políticas, as missivas eram cândidas, ricas de afagos e com explícitas revelações de amizade.
Pelo fato de não serem contemporâneos dos avanços tecnológicos ocorridos no campo da comunicação social, as cartas foram as ferramentas que, à época, os políticos, contaram para extravasar os sentimentos de amor ou de ódio. De amor, aos que mereciam ser reconhecidos como sinceros e leais. De ódio, aos que cultivavam a traição e a felonia.
A troca de cartas políticas, naquele tumultuado tempo, transparecia com maior visibilidade no calor das campanhas eleitorais, quando se aguçavam e vinham à tona as incompatibilidades e as desavenças entre partidos e candidatos. Não foram poucas as lutas corporais travadas em plena via pública por causa de cartas atrevidas ou de ameaças à integridade moral e física. Às vezes, não se satisfaziam apenas em remetê-las aos destinatários. Chegavam ao extremo de publicá-las nos principais jornais da cidade para conhecimento da opinião pública, que se deliciava com as suas leituras.
Nas páginas de O Imparcial, O Pacotilha, O Combate, Jornal do Povo e Diário de São Luis, da metade da década de 1940 aos meados da década de 1960, as cartas abundavam e tinham como protagonistas, de um lado, Vitorino Freire, que usava a sua terrível catilinária epistolar para revidar os que o hostilizavam sem dó e piedade; de outro, Clodomir Cardoso, Genésio Rego, Lino Machado, Colares Moreira e Neiva Moreira, que, no mesmo diapasão, arremessavam pesados petardos contra os vitorinistas. As cartas de Vitorino a Collares Moreira são antológicas em matéria de agressividade. Tenho todas, mas não penso divulgá-las em respeito à memória dos missivistas.
A prova cabal de que o senador Vitorino Freire era um político que adorava fazer cartas, veio a público, recentemente, pela palavra de Luis Fernando Freire, que, após o falecimento do pai, contratou um especialista para juntar, arrumar e colecionar as centenas de correspondências trocadas entre Vitorino e políticos maranhenses. Este farto e rico material se acha devidamente guardado, no Rio de Janeiro, e à disposição de estudiosos e pesquisadores. Pela vontade de Luis Fernando, as cartas enviadas e recebidas pelo pai, poderão ser conhecidas pela leitura de um livro a ser lançado brevemente.
Mas nem todos, procediam como o senador Vitorino Freire, que tinha a coragem de escrevê-las, remetê-las e, se fosse o caso, torná-las públicas. Alguns, mas contidos, as faziam, mandavam aos interessados, mas com o cuidado de guardá-las como jóias preciosas ou armas indispensáveis para uso em momentos oportunos.
A precaução de mantê-las em lugar seguro e de difícil acesso era tanta, que até hoje não se sabe onde estão. O deputado Ivar Saldanha, por exemplo, tinha em sua casa, em Rosário, um relicário fantástico de cartas. Costumava dizer-me que um dia elas chegariam às minhas mãos. Como faleceu tragicamente em desastre rodoviário, sua promessa foi para o túmulo com ele.
Anos depois do falecimento do senador Clodomir Millet, a viúva, Dona Simone, sabendo da minha amizade com o marido, proporcionou-me grande alegria. No Rio de Janeiro, entregou-me espontaneamente robusta documentação que a ele pertencia e sobre os mais variados assuntos. São cartas, telegramas, ofícios, fotografias, discursos, recortes de jornais, projetos e propostas apresentadas no Congresso Nacional.
Com tais documentos, prometi à viúva fazer um livro (ainda em fase de gestação), pois as novas gerações precisam conhecer e saber o que o saudoso senador fez ao longo de sua carreira pública, especialmente, no tocante à luta para extirpar a fraude eleitoral do Maranhão, tão devastadora quanto solerte.
No elenco das cartas de Millet, avultam as endereçadas a Antônio Dino, Pedro Neiva de Santana e José Sarney. Nelas, os relatos dos problemas políticos, administrativas e da área militar, ressaltando-se a tumultuada eleição do deputado Magno Bacelar a presidente da Assembleia Legislativa, que renunciou ao cargo pressionado pelos milicos. As atitudes extravagantes de Cafeteira na prefeitura de São Luis, que batiam de frente contra o governador Sarney e as investidas de setores militares a Sarney, que não o perdoavam pela nomeação de Bandeira Tribuzi, Joaquim Itapary, Mário Leal, Sálvio Dino e deste escriba para postos do governo estadual, também existem.
Não podem ser descartadas, as publicadas nos jornais de São Luis, de Millet contra Sarney e vice-versa, geradas por ocasião sucessão ao governo em 1960, em que Newton Bello recebeu o apoio da UDN e de Sarney. São cartas violentas e constrangedoras. Lidas, hoje, longe imaginar que nas eleições de 1965, os dois esqueceram as mágoas e fumaram o cachimbo da paz.
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