Sou freqüentador de livrarias desde que fui para o Rio de Janeiro, no final da década de 1950, após concluir o curso científico no Liceu Maranhense, que me habilitou a ingressar em faculdade de nível superior. Assim, cheguei à Universidade Rural, aprovado em Agronomia, curso que abandonei por não gostar de números, mas de letras.
Por amar as letras, fui seduzido pelos livros, ferramentas que me conduziram às livrarias do Rio de Janeiro, onde morei quatro anos e ali iniciei a construção do meu modesto patrimônio cultural.
As livrarias cariocas, à época, abundantes, ricas e bem freqüentadas, faziam parte de minhas andanças no centro da cidade, localizadas nas ruas Sete de Setembro, Uruguaiana, Ouvidor, México e Avenida Rio Branco, que sediavam as renomadas Civilização Brasileira, Record, Forense, José Olympio, Kosmos, Francisco Alves, Zahar e Da Vinci, esta, com os dias contados e vivendo os últimos dias de glória.
Eram todas essencialmente livrarias. Dentro delas nem pensar encontrar discos, brinquedos e material de papelaria. Em suas prateleiras, somente jornais, revistas e livros, nacionais e estrangeiros. As que vendiam livros usados ou de segunda mão e conhecidas por sebos, tinham como quartéis generais a Rua São José e a Praça Tiradentes.
Eu freqüentava livrarias não apenas para comprar livros, prazer praticado com as sobras da minha mesada, mas, assistir aos lançamentos de obras, eventos realizados pelas editoras, em finais de tardes, com a presença de autores e convidados – intelectuais, jornalistas, artistas e políticos.
Perdi a conta de quantos escritores conheci em tão agradáveis ambientes, num período em que o Rio de Janeiro era o maior centro produtor e irradiador de cultura do país. Não foram poucas as vezes que, por conta de minha incontida impetuosidade, com alguns escritores, troquei palavras e pedi autógrafos.
Foi num evento, na Livraria José Olympio, que vi pela primeira vez, em carne e osso, o escritor maranhense Josué Montello, que lançava o romance – A décima noite. Perto de acabar a solenidade, bem concorrida e farta, dele aproximei-me e identifiquei-me como seu conterrâneo. Só por isso, ganhei o livro e o autógrafo. Guardo com imenso carinho este presente de Josué, não sabendo, ele e eu, que um dia seriamos confrades na Academia Maranhense de Letras.
Quando abandonei a Universidade Rural, por total incompatibilidade com o curso de Agronomia, regressei a São Luis, no final de 1961. No ano seguinte, ingressei na Faculdade de Direito, por meio de vestibular; na Assembleia Legislativa, por vontade do povo.
Em São Luis, abracei simultaneamente a vida política e cultural. Para enfronhar-me nas atividades culturais da cidade, comecei pelas livrarias, que ainda encontrei funcionando: a Universal, no Largo do Carmo, a Moderna, na Rua de Nazaré, a Borges, na Rua do Sol e a Colegial, na Praça João Lisboa.
Nenhuma delas vendia exclusivamente livros. Também se comercializava material de escritório e papelaria. A Universal e a Moderna, as maiores e mais sortidas, disponibilizavam livros e revistas nacionais e estrangeiras e orgulhavam-se de ter como fregueses figuras da elite maranhense, como os médicos Pedro Neiva, Matos Serrão e Bacelar Portela, os advogados Fernando Perdigão, Antenor Bogéa e Orlando Leite, sem esquecer os intelectuais José Nascimento de Moraes Filho, Domingos Vieira Filho, José Bento Neves. Ferreira Gullar, Lago Burnett, Lucy Teixeira, José Sarney, entre outros, que agitavam a cena cultural nativa, graças aos movimentos da Movelaria e do Centro Gonçalves Dias.
Aquelas livrarias, todavia, não chegaram aos anos 1960 com o pique do passado. Não demoraram a dar sinal de se aproximarem do fim, sobretudo porque eram empreendimentos familiares e capitaneados por gente cansada e sem substitutos para a continuidade dos negócios.
Resultado, uma a uma saiu de cena e São Luis só não ficou sem livraria porque um ex-vendedor da Livraria Universal, chamado Antônio Neves, tomou a si o encargo de inaugurar na Rua Oswaldo Cruz, que não tinha tradição de vender livro, a Galeria dos Livros.
A princípio, funcionava no corredor de uma casa, cuja maior parte era ocupada por um salão de cabeleireiro, propriedade de D. América Serra de Castro. Em 1963, com a desativação do salão, Antônio Neves expandiu o negócio e a Galeria dos Livros, por acompanhar o movimento editorial do sul do país, oferecia títulos para todos os gostos literários e fazer algo inédito em São Luis: lançar festivamente livros de autores maranhenses, em tardes ou noites de autógrafos.
Com a promoção desses eventos, que mobilizava a cidade, a Galeria dos Livros ganhou credibilidade e o seu proprietário conquistou a fama de mecenas. Intelectuais do porte de Bandeira Tribuzi, Arlete e Nauro Machado, José Chagas, Lago Burnett, Odilo Costa, filho, Josué Montello, Viriato Correia e José Sarney, então governador, ali, lançaram livros, com direito a sucessos retumbantes de público e venda.
Até o começo da década de 70, a Galeria dos Livros, incontestavelmente tornou-se dona do mercado livresco de São Luis. Mas a avançada idade de Antônio Neves levou o negócio a gradativamente perder força até desaparecer definitivamente.
Depois da Galeria, outras livrarias surgiram. Algumas razoáveis, outras nem tanto. Todas, contudo, sucumbiram diante da concorrência com a internet, que vem se encarregando de estrangular quem teve ou tem a iniciativa de montá-las. Nos dias hoje, aqui e alhures, livraria só subsiste se fizer parte de grandes empreendimentos. São os chamados mega store, em que o livro perdeu o seu charme e, lamentavelmente, virou um produto como outro qualquer.